Desde segunda-feira última, podemos ler um aviso estampado em vermelho nos ônibus natalenses, segundo o qual a integração temporal não poderia mais ser realizada devido a um desequilíbrio econômico. É claro que tal desequilíbrio se refere às contas dos empresários do transporte coletivo. Ontem, quando voltava pra casa, fui surpreendido por uma multidão na parada do Natal Xópis, todo mundo com o objetivo singelo de voltar pra casa. Ocorre, porém, que os empresários fizeram recolher os ônibus um tempo após os atentados (não sei dizer por quanto tempo, já que, até umas oito e meia, eles estavam circulando “normalmente”). Nessa parada, então, tive um diálogo pitoresco com um conhecido, estudante daqui da UFRN. É notória a participação dos estudantes dessa instituição nos protestos – mas, como pretendo demonstrar aqui, também não é menos digna de consideração a oposição de outros estudantes quanto aos protestos realizados. O que importa observar não são apenas os protestos em si; aqui não se trata de apontar tal ou qual estratégia, mas simplesmente de MITIGAR os próprios protestos – pacíficos ou violentos, com ou sem coquetel molotov.
Pois bem: o digníssimo dizia que era contra essa baderna toda. Segundo ele, não adiantaria de nada protestar contra os desmandos do SETURN. Ora, foi graças ao protesto que os empresários cortaram a integração. Os revoltosos conseguiram baixar a tarifa a troco de uma integração que, por capricho dos empreśarios, não mais seria realizada. Para ele, seria mais viável os R$ 2,40 com integração do que os R$ 2,20 sem. E não é só isso: como afirmei acima, ele está plenamente convicto de que a revolta do busão simplesmente não vai dar em nada, dado o tempo que os empresários (e governantes) aproveitam para dominarem e coagirem a população, ela própria já vítima do próprio conformismo. A cereja do bolo: os empresários estão justificados em retirar a integração pelo fato simples de que, sem o devido equilíbrio orçamentário, não podem mais operar na cidade.
Um outro estudante, acompanhando a conversa, contra-argumentou. Eu mesmo o havia feito de forma breve, mas não me estendi muito. O cara lá esclareceu que os cálculos do estudante contrário aos protestos são muito simples. Ele argumentou a existência de uma portaria da SEMOB que instituía a integração temporal gratuita; falou dos orçamentos secretos, que não aparecem em momento nenhum para justificar o aumento tarifário (este já feito sem aviso prévio). Falou mesmo de um anseio dos estudantes, já concretizado em algumas cidades: o passe livre para os estudantes.
Escutei, reticente, porque já havia adivinhado de que tipo de usuário se trata. É o mesmo usuário que padece daquele analfabetismo político denunciado por Bertolt Brecht a estocadas de areia e brita. Neste usuário – o usuário patronal – se encontra um empresário do SETURN em potencial. Ele poderia simplesmente argumentar que não gosta do aumento da passagem, mas ao mesmo tempo ponderaria os efeitos contraproducentes dos manifestos realizados nas últimas semanas – prisões (que apareceram ontem mesmo), a manutenção das tarifas do jeito que estão sendo praticadas, os trabalhadores que chegam cansados em casa…
Já se reclamou contra os prejuízos dos protestos feitos no fim do dia. A própria crítica foi feita no interior das discussões daqueles que participam dos atos. Algo deveria ser feito nas garagens das empresas, nos terminais de ônibus – um acampamento, basicamente. Não pretendo me deter nas estratégias possíveis, seja por parte dos usuários, seja por parte dos empresários ou políticos; Wagner Pinheiro destrinchou de modo divertido o que pode acontecer nos próximos rounds dessa luta. Simplesmente desejo elencar aqui alguns motivos pelos quais a intenção de protestar se faz legítima e urgente: (a) a necessidade de uma licitação eficiente e dura para regulamentar, de fato, o transporte público; (b) o preço abusivo das passagens; (c) o cumprimento da portaria que institui a integração temporal (e o próprio Carlos Eduardo prometeu – cof cof – o aumento do tempo de integração para duas horas); (d) o direito de ir, vir e protestar; (e) o retorno dos cobradores a seu trabalho; (f) a regulamentação e manutenção de um sistema de transporte alternativo – ou vocês pensam que tá bom com eles?
É claro que não é tão simples dividir entre usuários que protestam e aqueles que são contrários ao protesto. Há aqueles que não vão às passeatas, não brandem bandeiras e cartazes; estes são, em grande medida, indiferentes aos resultados da disputa travada nestes dias. Parafraseando Stanislaw Ponte Preta: na atual conjuntura, quem não atrapalha ajuda. Há um grande inimigo não só nos empresários, nos vereadores e prefeitos, mas principalmente no próprio usuário. Sua revolta narcísica é um perigoso sintoma do quanto o privado coloniza e devasta o público; prestando atenção no próprio umbigo, se arrisca a perder o que acontece em volta e – não brinco – a ser atropelado por um ônibus pichado. De qualquer forma, não me surpreendo por haver esse comportamento entre os cidadãos, sejam daqui de Natal ou de fora, sejam dependentes ou não do transporte urbano. Mas ainda é muito doloroso reconhecer o quanto que existe de gente assim. É por causa de sua atitude patronal que ele, ao contrário da professora Sandra Erickson, do departamento de Línguas Estrangeiras e Modernas da UFRN, não foi preso. Os manifestantes devem atentar para o detalhe do veneno político destilado por esse tipo de usuário; justamente por estar bastante próximo e facilmente acessível, é tão danoso quanto o dos empresários e dos representantes municipais que os apóiam.