Tem circulado no Facebook, nestes dias, um hoax esdrúxulo (1). Comecemos pelo hoax propriamente dito:
O Facebook é agora uma entidade de capital aberto. Recomenda-se a todos os membros que afixem um aviso semelhante a este, ou se preferir pode copiar e colar esta versão. Se não publicar tal declaração pelo menos uma vez, então está indirectamente permitindo o uso público de itens como suas fotos e as informações contidas em suas actualizações de status.
AVISO DE PRIVACIDADE: Aviso – qualquer pessoa e/ou instituição e/ou agente e/ou Agência de qualquer estrutura governamental, incluindo, mas não limitado ao Governo Federal dos Estados Unidos, também usando ou monitorando este site ou qualquer um dos seus sites associados, NÃO tem a minha permissão para utilizar qualquer uma das informações do meu perfil, nem qualquer parte do conteúdo aqui contida, incluindo, mas não limitado às minhas fotos, e/ou os comentários feitos sobre as minhas fotos ou qualquer outra “imagem” de arte publicado no meu perfil. Você está aqui notificado que está estritamente proibido de revelar, copiar, distribuir, divulgar ou tomar qualquer outra ação contra mim com relação a este perfil e os conteúdos do mesmo. As proibições anteriores também se aplicam a seu empregado, agente de estudante, ou qualquer pessoal sob sua direção ou controle. O conteúdo deste perfil é privado e as informações confidenciais e sigilosas. A violação da minha privacidade pessoal é punível por lei. UCC 1-103 1-308
Me preocupa muito o analfabetismo funcional que as pessoas experimentam na Internet. Muitas delas, incluindo as que possuem mais de vinte anos de estudo, saem postando e divulgando todo tipo de informação duvidosa, sem fonte confiável (voltarei a este termo adiante). Uma leitura atenta, porém, encontra uma falha já no primeiro parágrafo. Não sou lá especialista em economia, mas uma questão possível é a seguinte: qual a relação causal entre o Facebook abrir seu capital e a política de privacidade para com os usuários? Terá essa política sofrido mudanças substanciais com essa abertura?
Em primeiro lugar (e aqui, mais uma vez, não falo como especialista, apenas divago): se uma empresa abre seu capital, uma boa razão é que ela esteja bem consolidada no mercado. Abrindo o capital, pode captar mais investidores, incrementar seus lucros, dinamizar as atividades e produtos oferecidos, e assim por diante. Ora, o Face é a maior rede social do mundo, dezenove vezes mais usado que o Twitter. O grande problema é que essa rede social (como as demais, naturalmente) é repleta de vírus. E de boatos toscos que todo mundo reproduz, a troco de um pânico gratuito entre os usuários. De qualquer forma, duvido muito que o Face feche seu capital tão cedo, tamanho o sucesso que granjeia pelo mundo.
Em segundo lugar, o Face é claro quanto a sua política de privacidade. Nenhum dado que o usuário publique será visualizado publicamente se não quiser – salvo o nome, gênero, foto de perfil e capa. Tá preocupado com a opinião alheia? Quer esconder seus dados de quem quer que seja (incluindo seus próprios contatos)? As ferramentas de gerenciamento de privacidade do Face são boas, obrigado. Você pode gerenciar notificações de aplicativos, se aquela foto sua de você dançando bêbado na mesa pode ser vista (ou mesmo comentada) por estranhos… Só não venha com chorumela; se não souber gerenciar, peça ajuda (mesmo que, eventualmente, você leve uns puxões de orelha por pura falta de atenção, que é o que normalmente essas coisas demandam).
Em terceiro lugar, é fato consumado que o Face faz um malabarismo informacional. A política de dados que implementaram lá desde o começo do ano realiza um cruzamento enorme de informações em aplicativos, “curtis” (2) e compartilhamentos. Cada dia que passa, quando o Face me oferece “amiguinhos” pra adicionar, aparecem não só pessoas que não conheço, mas principalmente pessoas que conheço DE FATO! Fora o fato de o FBI querer uma brecha pra entrar nessa rede social, né? O povo tem mania de alardear a democracia como melhor forma de governo, coisa e tal, mas o controle informacional nos países ditos democráticos é tão poderoso quanto o dos demais, se não mais forte em alguns aspectos. Um ótimo livro pra se conferir como essa vigilância funciona é The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom, de Evgeny Morozov. (Pena que ainda não possui tradução pro português. Mas aqui e aqui tem dois textos publicados na Folha de São Paulo que exploram algumas idéias-chave mais desenvolvidas no livro.)
Privacidade é um direito legítimo. Não quero que todo mundo saia sabendo e divulgando o que eu faço ou deixo de fazer, a menos que eu divulgue por minha vontade e risco (e eu mesmo já tive problemas com isso). Uma amiga minha divulgou esse hoax alegando que a fonte dela seria confiável. A fonte pode até ser digna de confiança, e não é meu interesse questioná-la; já o texto… Tem uma das flechas do Crepúsculo dos Ídolos que adoro e diz o seguinte: “De uma vez por todas, muitas coisas eu não quero saber. A sabedoria traça limites também para o conhecimento”. Mas como nem todo mundo conhece ou gosta de Nietzsche, deixo aqui o recado de Batman a Robin:
(1) Pleonasmo.
(2) “Curtis”, plural de “curti”, forma substantivada da primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “curtir” – não confundir com “curtis”, flexão na segunda pessoa do plural do presente do indicativo.