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Balada eleitoral

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Eleição é festa! Uma balada cívica quase tão aguardada quanto a sexta feira nas redes sociais. O período eleitoral pelo qual estamos passando é dos mais ricos em emoções e alegria em todos os recantos do estado e do país. Na Capital e no interior podemos testemunhar a animação que embala carreatas, caminhadas e comícios, inspirando palavras solenes e atabalhoadas em favor de uma determinada candidatura. Sim, estamos em festa! Festa mesmo, daquelas que injetam adrenalina e felicidade nos gestos e cria expectativas para cada ato sequenciado que terá seu fim no tão falado dia sete de outubro.

Se na Capital a coisa fervilha e não se deixa esconder em cada carro adesivado, em cada programa eleitoral da televisão e do rádio, em cada jornal, blog e agora nas redes sociais, tudo isso adquire proporções gigantescas no interior. Para ilustrar, segue um pequeno relato.

Outro dia estava eu numa cidade do interior a conversar com um cidadão de lá sobre a movimentação da campanha naquela e em outras localidades próximas, onde se tinha a expectativa inclusive de ríspidos confrontos entre os partidários de um lado e de outro. Num dado momento da conversa eu disse ao meu interlocutor:

– Ah!, como seria bom se as pessoas não fossem importunadas o tempo todo com essa campanha. Que continuassem normalmente suas rotinas, trabalhando, estudando, em suma, vivendo sem se abalar com a disputa legítima pelos votos. Que cada cidadão escolhesse seu candidato gozando de um clima de paz e, certo da sua escolha, se dirigisse até a urna e sufragasse sua preferência sem ficar sujeito às pressões e ofertas pela compra do seu voto.

Disse isso com o maior orgulho, certo de que teria a concordância do rapaz que me ouvia atentamente. Mas eis que ele, de pronto, jogou meu diagnóstico idealístico fora, e respostou:

– Que isso, rapaz! Você fala assim porque mora na Capital. Nós aqui do interior precisamos desse movimento!

Diante da convicção da resposta, me calei no ato e fiquei a refletir sobre aquele argumento um tanto obtuso. Não gastei muitos neurônios para concluir que a movimentação eleitoral era coisa ansiosamente esperada pelos cidadãos interioranos, condenados que estavam ao marasmo de uma vida provinciana carente de opções e novidades com que se entreter, quebrada somente pelas cores, músicas e números que dividem os munícipes, mas que curiosamente os unem pelo desejo de ter algo sobre o que conversar e se distrair.

Não se pode recriminar isso, mas também não se pode dizer que é algo desprovido de peculiaridades interessantes. Vejamos algumas delas.

Contar quantos carros participaram de uma carreata a fim de esfregar a superioridade numérica na cara do adversário, embora muitos carros, motos  e motoristas sejam de outras cidades; contar quantas casas foram visitadas numa caminhada e a quantidade de fachadas pintadas com as cores e o número de um candidato; envergar as cores de uma candidatura e adotá-la como obrigatória no vestuário durante a campanha, com predominância do verde, vermelho e azul; especular quanto dinheiro os candidatos já gastaram e quanto ainda vão gastar; comemorar as adesões de lideranças, as vitórias no campo judicial e a divulgação de resultado de pesquisas com fogos pela cidade; fechar as ruas da cidade e dirigir-se a um comício como se fosse para uma festa, olhando de “rabo de olho” para os adversários que ficam observando dos alpendres para depois dizer que tinha pouca gente; soltar piadas irônicas e palavras violentas para os adversários, chegando ao ponto de criar uma séria inimizade até mesmo no seio da família; palanques cheios e floridos com ilustres deputados, senadores, governadores e ex-governadores etc., que pulam de cidade em cidade no cumprimento de uma agenda que visa as eleições seguintes.

Enfim, tudo isso e muito mais é o que passa a ocorrer no cotidiano de uma pacata cidade do interior durante as eleições, transformando-a em uma barulhenta panela de pressão que, por pequena, não pode dar vazão ao desejo de animação de cada cidadão. De tanto ferver, ela explode no exato instante em que as urnas são abertas e apontam a vitória para um candidato. Neste momento, a parte sorridente da cidade ganha as ruas em uma explosão de delírio pelo triunfo alcançado e pela satisfação de estar do lado vitorioso; a outra parte, enamorada com a derrota, se recolhe e vai se roer não só com o revés impingido pelas urnas, mas principalmente pelo retorno à mesma vida interiorana, tranquila até demais, e desde já ansiosa pela próxima balada eleitoral.