Por Alberto Carlos Almeida
(Sociólogo e professor universitário)
O escândalo do mensalão foi provavelmente o caso de corrupção que mais atenção mereceu da mídia no Brasil. Entre maio e dezembro de 2005, dele se ocuparam as principais redes de TV e seus noticiários, os principais jornais e todas as rádios. No dia 7 de junho, a denúncia de Roberto Jefferson repercute pela mídia e é capa em todos os jornais diários. No dia seguinte é instalada uma CPI para investigar a corrupção nos Correios, que se iniciaria com o depoimento do próprio Jefferson, o que resultaria na investigação do mensalão.
Vários fatos de grande impacto midiático marcaram o ano de 2005. Em 16 de junho, José Dirceu renunciou ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Em 4 de julho, Silvio Pereira afasta-se do cargo de secretário-geral do PT. Em 5 de julho, Delúbio Soares licencia-se do cargo de tesoureiro do PT. Em 15 de julho, Marcos Valério afirma, em entrevista ao “Jornal Nacional”, que os recursos e as movimentações suspeitas de suas contas bancárias seriam provenientes de empréstimos destinados ao PT, caracterizando um “caixa 2” do partido. Em 17 de julho, quando de sua passagem por Paris, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma, em entrevista, que “o que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente por outros partidos”. Em 21 de julho, o deputado federal Paulo Rocha deixa o cargo de líder do PT na Câmara. Em 11 de agosto, o publicitário Duda Mendonça depõe espontaneamente na CPI dos Correios e acusa Marcos Valério de ter pedido que ele abrisse uma conta num paraíso fiscal para receber o pagamento por serviços prestados ao PT nas campanhas de 2002 e 2004.
São muitos os acontecimentos. Tantos, que poderiam preencher todo o espaço reservado a este artigo. O fato é que Lula foi reeleito em 2006 e o PT é hoje um partido mais forte do que era em 2005. Ora, se tudo que aconteceu em 2005 não impediu nem a vitória de Lula no ano seguinte nem o fortalecimento do PT, por que o atual julgamento do mensalão haveria de diminuir a força eleitoral do partido de Lula nas eleições municipais? Agora não há novidade. Do ponto de vista da mídia, o que o julgamento revela são fatos requentados. A única novidade será a condenação ou não de políticos do PT.
Quem não aprendeu com os acontecimentos de 2005 e 2006 ainda pode aprender com o que está ocorrendo com a popularidade da presidente Dilma: em pleno julgamento do mensalão, seu governo tem uma aprovação maior do que tinha antes do início do julgamento. O eleitor separa as coisas. Vamos imaginar qual seria o raciocínio típico de um eleitor que se deixe influenciar pelo que acontece no Supremo Tribunal Federal. Esse eleitor teria que pensar assim: a vida dele vem melhorando, ele compra mais coisas nos últimos meses, sua capacidade de consumo e de sua família aumenta constantemente desde que Dilma se tornou presidente. Por isso, ele avalia o governo da Dilma como “ótimo” ou “bom”. Mas começa o julgamento do mensalão e aí ele vê na TV que a maioria dos políticos sob risco de condenação são do PT. Como a presidente Dilma também é do PT, ele passa a avaliar seu governo como “ruim” ou “péssimo”. Venhamos e convenhamos, ninguém raciocina dessa maneira. Cabe aqui o velho dito: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
O mensalão não impediu a vitória de Lula em 2006 nem a melhoria da popularidade de Dilma agora. São evidências que reforçam a ideia de que não vai interferir nos resultados da eleição municipal.
Para que o julgamento do mensalão tenha um impacto significativo nos resultados eleitorais é preciso que uma parcela importante do eleitorado disposto a votar no PT mude de ideia por causa da eventual condenação de políticos do PT envolvidos em algo ocorrido em 2005 e não relacionado com a eleição em seu município. O raciocínio desse eleitor, por exemplo, em São Paulo, seria assim: ele acha o governo Kassab “ruim” ou “péssimo”; como Serra é o candidato do Kassab, esse eleitor não deseja votar no Serra; então, ele busca saber quem é o principal candidato de oposição; passa a considerar que Haddad, do PT, é esse candidato e que a ligação de Haddad com o governo Dilma levará o município de São Paulo a ter mais recursos para resolver os problemas da saúde pública e do transporte. Por fim, decide votar em Haddad. Mas, em seguida, o Supremo Tribunal Federal condena José Dirceu e outros petistas importantes, considerados culpados de corrupção. O mesmo eleitor, que tinha decidido votar em Haddad, muda de ideia e decide votar em Serra, o candidato de um prefeito que ele avalia muito mal. De novo, venhamos e convenhamos, ninguém toma decisão dessa forma. Não custa repetir e enfatizar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Além de o eleitor separar o julgamento do mensalão da avaliação de Dilma e da decisão eleitoral municipal, existem outros motivos, vários, para que o eleitor não considere o resultado do julgamento em suas outras decisões. O motivo mais importante é que nosso eleitorado considera todos os políticos igualmente corruptos. Uma pesquisa nacional realizada pelo Instituto Análise mostrou que 82% do eleitorado nacional acham que a corrupção é igual em todos os partidos, e apenas 9% consideram que os políticos do PT são mais corruptos do que os políticos dos outros partidos. Esses 9% são eleitores antipetistas, que provavelmente nunca votaram e jamais votarão no PT.
Se a grande maioria dos eleitores acha que todos os políticos são corruptos, então também acreditam que será uma injustiça se políticos do PT forem condenados por causa do escândalo do mensalão, porque todos os políticos de todos os partidos são corruptos e não são condenados. É isso que acontece: 58% dos eleitores concordam com essa afirmação, ao passo que 28% discordam. Os demais 14% não quiseram ou não souberam responder a essa indagação. O fato é que a proporção de 58% está muito próxima dos 56% de votos válidos que Dilma teve na eleição de 2010. Além disso, 64% dos eleitores de todo o Brasil concordam com a seguinte afirmação: pode até ser que haja corrupção, mas os políticos do PT são os que mais melhoram a vida da população.
Quando, em julho de 2005, no auge do escândalo do mensalão, Lula afirmou que “o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente por outros partidos”, ele estava representando a visão predominante do eleitorado, de que todos os políticos são iguais. O PT faz política de acordo com as regras do jogo, sejam elas regras formais ou práticas já estabelecidas de longa data. Ao ser vitimado por denúncias de corrupção em 2005, o PT se tornou, no que tange à moralidade e aos olhos do eleitorado, muito parecido com os demais partidos. A grande diferença do PT se deve ao desempenho do governo Lula e de sua sucessora. Lula deixou o governo com 80% de “ótimo” e “bom”; Dilma tem pouco mais de 60%. Consequentemente, o PT é visto hoje pelo eleitorado como o partido que mais melhora a vida da população. Isso pode ter mais impacto na eleição municipal do que eventuais condenações de políticos petistas pelo STF.
Eleições municipais são decididas por questões municipais, como as estaduais são decididas por temas estaduais e a eleição nacional por temas que dizem respeito a todo o país. Em 2012, o eleitor tende a dar a vitória aos políticos que mais credibilidade transmitirem de que resolverão os problemas de saúde pública. É generalizada, no Brasil, a percepção de que o atendimento de saúde é muito ruim e que as prefeituras têm muito a fazer para melhorá-lo. O eleitor está mais preocupado com as questões diretas que dizem respeito a sua vida do que com coisas distantes, que mais têm a ver com vida dos políticos. Para o eleitor, o julgamento do mensalão é uma disputa política que importa mais para os políticos do que para ele.
A vida do eleitor é dura. Ele não tem tempo para prestar atenção a coisas que tenham pouco impacto direto e imediato na melhoria de sua vida. O resultado do julgamento do mensalão apenas consolida as escolhas já feitas: quem não gosta do PT terá mais um motivo para não votar no PT e para falar para si próprio que sua escolha é a mais correta. Quem gosta do PT tenderá a justificar o voto afirmando que todos os políticos são igualmente corruptos e que o PT é diferente, porque é o que mais melhorou a vida da população, porque é o partido que mais defende os mais pobres e necessitados.
Em breve teremos um teste claro desta previsão: vamos conferi-la em face do resultado eleitoral.