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O radicalismo acadêmico e suas fantasias

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Do Blog do Edmilson Lopes,

 

Não é raro encontramos professores, e, com mais frequência, estudantes que fundamentam as suas elaborações (para não dizer “visões de mundo”) nas opções políticas. Para eles, o que alicerça uma boa atividade acadêmica é o seu pertencimento (ou não) ao “lado certo”. O que geralmente significa o “lado” dos “setores populares” e das chamadas minorias.

Quando envolvidos por essa “epistemologia do lado certo”, os professores e estudantes deixam de levar em conta os dados de realidade e a falseabilidade das leituras desses dados para tomar como marco divisor do mundo o enquadramento (ou não) de cada autor nos cânones do aceitável. E o aceitável, não se tenha dúvidas, é apenas o mais radical e desconstrucionista possível.

Em um país no qual discutimos mais os autores do que as suas elaborações, esse tipo de postura leva a que se tome a radicalidade dos autores de referência dos trabalhos como principio de legitimação. Para aumentar o seu capital social, decisivo para a mobilização de recursos materiais e simbólicos, dentre os quais “acessar” editais de órgãos públicos subordinados aos ditames dos enunciadores das “boas políticas”, os radicais constroem clientelas que lhes fornecem audiência, alguns dados enviesados do mundo e uma base segura para trabalhos de “intervenção”.

O campo científico estreita-se, com o agigantamento desse mundo, dado que se subordina aos ditames do campo político. Por outro lado, e em consequência, a conquista de posições superiores no campo acadêmico passa a depender, mais e mais, do tamanho das clientelas formadas antes mesmo da publicação dos trabalhos desses autores/atores.

Quando as proposições acadêmicas derivam de posições definidas antes mesmo de alguma investida mais substancial na pesquisa, a pergunta que não quer calar é: para que, afinal de contas, deve-se pesquisar? E há mesmo quem, dominado por sinceridade, questione, sem pejo e em tom arrogante: “para quê pesquisar?” Quem já sabe o caminho certo não tem mesmo por que ficar perguntado (inquirindo através de custosas pesquisas) à realidade. Ora, bolas!

A saída mais fácil, no mundo do radicalismo acadêmico, é encontrar logo um autor reconhecido (e radical) que forneça legitimidade para as suas proposições. Nesse mundo, uma frase de Zizek vale mais do que mil questionários. Uma referência a David Harvey substitui qualquer análise demorada de dados demográficos.

Fechados em si mesmos, sem condições de participar do embate científico, os atores desse mundo produzem um simulacro de academia. Formam discípulos, não futuros pesquisadores. Estes, mesmo que concluam seus cursos, continuarão a reproduzir as relações de vassalagem.
Há algo de esquizofrênico na arquitetura desse mundo “crítico”, percebe-se logo. Para dar força à sua radicalidade, os “mestres críticos” são levados a dizer que nada muda. Ou, o que dá quase no mesmo, que as mudanças são sempre para pior. Tudo se passa como se o único mundo possível, fosse aquele dos espaços para as performances acadêmicas.

O mundo lá fora, o mundo de “mesmo mesmo”, é tenebroso demais para eles. Assentados em análises das limitações de percepções dos outros (que, oh, coitados!, estão subsumidos à ideologia, ao essencialismo, ao binarismo, ao sexismo e a todos os ismos à disposição nas prateleiras do politicamente correto), os radicais vivem o gozo e o desespero da “solidão das posições justas”. Não por acaso, sentem-se ccomo eternos incompreendidos…

É certo que os radicais acadêmicos produzem um mundo. Isso é palpável. E esse mundo vai engolindo as humanidades e tornando-as inaptas para o debate científico com campos que ficaram um tanto quanto imunes à lógica perversa do “radicalismo ”. Nesses dias, convidei uma colega que pesquisa antropologia evolutiva para uma qualificação de um aluno meu que pesquisava sobre desvios em uma empresa a partir da mobilização de um arsenal de jogos e simulações computacionais. Ela, uma brilhante professora de biologia, confessou que não consegue publicar (e nem dialogar) com ninguém das humanidades que pesquisa sobre a sua temática (o uso de alimentos em situação de extrema escassez). E por quê? Porque simplesmente, mesmo sem conhecer o seu referencial teórico, o pessoal o rejeita a priori…

Bom, mas o fato é que com a intensificação dos fluxos de bens e pessoas ao redor do mundo, o radicalismo acadêmico ganhou ares de uma Internacional Acadêmica. Criou-se um jet-set de intelectuais radicais. São os mercadores das últimas verdades desconstrucionistas…
O neoliberalismo, em não poucos momentos, assume a forma do adversário primeiro do radicalismo acadêmico. Mas, nem sempre. Quando a audiência debanda, o radicalismo acadêmico pode se aliar à velha ultraesquerda. É um casamento de interesses. O primeiro fornece verniz modernizante à segunda, o que garante a esta a incorporação em seus brancaleônicos exércitos de jovens rebeldes sem causa. Já a primeira, confirma o primeiro confirma a sua “conexão” com os “condenados da terra”.

Esse mundo exótico apenas nos divertiria se a sua existência não obnubilasse o investimento na pesquisa cuidadosa e na formação paciente das novas gerações. Não é um dano menor o fato de gerações e mais gerações se descuidem de uma boa formação quantitativa nas ciências sociais. Ou que modelos teóricos sofisticados, como aqueles da escolha racional ou da teoria dos jogos, sejam esnobados. Frequentemente, com presunçosa ignorância.