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A (in)visibilidade da luta por dignidade dos moradores de rua

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Fazendo um rápido sobrevoo do nosso olhar nos portais de notícias e jornais impressos, é fácil identificar o quão a demanda por reconhecimento social constitui o elemento mais importante da política contemporânea. Embora sob formas diversas de expressão nas lutas sociais.

Entre as classes marginalizadas, por exemplo, essa demanda por reconhecimento assume a forma expressa de luta por dignidade. Isso porque nos grupos socialmente vulneráveis, quando falamos em dignidade, o que salta imediatamente aos olhos é a necessidade de reconhecimento social em termos de direitos e de cidadania.

Levando a sério a demanda por dignidade, não é exagerado identifica-la como a principal motivação das inúmeras lutas por moradia existentes nos centros urbanos do Brasil. Vejamos o caso de São Paulo, uma grande metrópole de destaque social e econômico em nosso país e também na América Latina.

São Paulo atualmente “abriga” aproximadamente 14,5 mil moradores de rua, todos em situação de extrema vulnerabilidade social. Excluídos da sociedade do trabalho e do acesso a condições dignas mínimas de habitação, uma massa de indivíduos e famílias vivem a experiência de desrespeito moral cotidiano, sendo depósitos de marcas da violência criminal e policial, assim como também da violência dos olhares indiferentes e “blasê” daqueles socialmente integrados em matéria de reconhecimento e cidadania.

Reduzidos a condição descartável de “homo sacer”, os moradores de rua das cidades brasileiras, começam aos poucos a se organizarem na forma de grupos de pressão e movimentos de lutas sociais. Para esses grupos organizados, a questão da dignidade parece ser identificada fundamentalmente com o acesso à moradia – entre outros, um importante marcador social de respeito e autorespeito em nossa cultura e, consequentemente, um componente infrajurídico da cidadania.

Como em outros casos, a organização dos moradores de rua em torno da ação coletiva deveria ser um importante fator de inflexão no sentido de maior visibilidade social. Principalmente devido a maior capacidade de inserção política na esfera pública nacional, possibilitada pela natureza agora de “movimento social”.

Mas apesar da formação do ator coletivo através de ações conjuntas, o movimento dos moradores de rua ainda carece de ver sua agenda política ocupar um lugar de destaque no debate público. Quando aparecem nas manchetes de jornais e outras mídias, são quase sempre vinculados a explosões de violência urbana. Raramente são percebidos como grupos com reinvindicações e pautas propositivas de mudança social.

O dia 19 de agosto mesmo, uma data importante para os movimentos dos moradores de rua, passou quase totalmente despercebido pelos meios de comunicação e pela chamada “opinião pública”. Essa data, referente ao dia de uma chacina na Praça da Sé (centro de São Paulo), onde moradores de rua foram encontrados mortos, representa o dia nacional de luta dos moradores de rua. Uma data marcada por mobilizações diversas do movimento, mas de pouco debate na esfera pública brasileira a respeito da questão social.

Talvez porque, como assinalamos no inicio deste texto, moradores de rua ainda não mereceram ou não encontraram lugar de destaque no centro da agenda social em discussão pública no país. E talvez também porque haja uma dificuldade histórica de lidar com a miséria no estado de “vida nua” em exposição do asfalto urbano de nossas cidades. Sendo essas duas suposições verdadeiras, fica um pouco mais claro entender o sucesso da biopolítica de higiene populacional levado a cabo pelas prefeituras das grandes metrópoles, a exemplo da capital de São Paulo. Uma biopolítica voltada exclusivamente para expulsar os “párias” sociais dos centros urbanos e das áreas “nobres”, produzindo o efeito de paisagem “limpa” na grande cidade e ocultando a sua “sujeira” social dos olhares dos cidadãos da “boa sociedade”.