Comumente se dirigem críticas à universidade de não estar cumprindo seu papel social em propor soluções para questões e problemas da sociedade. Segundo seus críticos, a universidade teria se transformado numa espécie de universo apartado dos problemas cotidianos, onde professores e pesquisadores universitários vivem em outro mundo, distante e insensíveis às urgências da sociedade.
Motivados por essas críticas que circulam abundantemente no senso comum, agentes da esfera político-estatal (políticos, secretários de estado, ministros), da esfera pública (jornalistas e colunistas especializados) e dos movimentos sociais (líderes sindicais, minorias organizadas, militantes), cobram insistentemente o envolvimento e engajamento da universidade na equação de problemas sociais.
Existem razões diversas para esse discurso crítico em relação a universidade. Algumas delas, por exemplo, podem está relacionadas à crescente visibilidade e inserção social do ensino superior no país a partir da década de 1990. Com o aumento do número de matriculados nas universidades, aumentam também as expectativas sociais para com os resultados práticos da aquisição de um diploma superior. Isso, consequentemente, se traduz no questionamento do tipo de profissional que é formado na universidade.
Além disso, outra fonte de pressão dirigida contra a universidade irradia especificamente do mercado. Com o atual crescimento econômico no país, surge a necessidade de investimento em infraestrutura (construção de estradas, portos, ferrovias), o que implica um maior contingente de trabalho técnico especializado (engenheiros, tecnólogos, etc.). Daí a cobrança de empresas e segmentos ligados direta ou indiretamente ao mercado de infraestrutura que exigem o maior investimento de recursos universitários na formação rápida de técnicos e especialistas com diploma superior.
Por fim, existem também pressões oriundas da chamada sociedade civil organizada (movimentos sociais, sindicatos, Ongs, militantes etc) e dos grupos coletivos de representação política (partidos políticos). Esses acusam a universidade de não se envolver ou não incorporar os conflitos e problemas sociais mais urgentes em ritmo acelerado e necessário (criminalidade, desigualdade, violência, disputa político-partidária). E aqui, novamente, o alvo preferencial das críticas são as chamadas Ciências Humanas (Letras, artes, sociologia, antropologia, filosofia), tratadas com certo desdém e caricaturadas como áreas que se resumem em inutilidades escolásticas e teóricas.
É preciso reconhecer, muitas das críticas destacadas acima são pertinentes e legitimas. Mas também é preciso alertar, se a universidade for responder de modo direto e apressado às expectativas crescentes e diversas da sociedade, a mesma correrá sérios riscos de esvaziamento do seu papel civilizatório na construção do conhecimento e da crítica.
Isso porque em meio às pressões externas, a universidade acaba que respondendo de modo inadequado e valorizando áreas de saberes, voltadas exclusivamente para a reprodução social do estado de coisas atual. É o que acontece, por exemplo, com as Ciências Humanas. Atualmente sofrem (não somente no Brasil, mas no mundo todo) uma crise de legitimidade social. Crise essa, derivada, por um lado, do aumento da cultura científica em detrimento da cultura letrada. E no interior da cultura científica, de ênfase na subcultura técnica voltada para equacionar apenas as questões mais pragmáticas do cotidiano. Basta fazer um breve passeio pelos centros tecnológicos e observar para onde se tem dirigido maior quantidade de recursos materiais.
As ciências humanas, por sua vez, movidas por pressão e por necessidade de sobrevivência, também têm se reconfigurado radicalmente. E isso é visível nos cursos de graduação que recebem maior quantidade de recursos universitários e nas linhas de pesquisa dominantes nos centros de humanidades. Agora a ênfase é nas chamadas “engenharias sociais”, isto é, aquele conjunto de cursos preocupados fundamentalmente na elaboração de políticas e projetos de reforma social.
Como consequência, saberes até então preocupados com a renovação em matéria de teoria, epistemologia e metodologia estão agora focados exclusivamente na elaboração rápida de intervenção na sociedade, muitas vezes secundarizando a importância de se refletir de modo aprofundado sobre as diversas dimensões dos problemas, inclusive sobre a própria construção social de tais problemas. Virou moda nos corredores da universidade também, dizer que não há o que se aprender mais sobre o mundo, pois tudo é evidente e “claro”. Basta apenas impor as transformações necessárias e rápidas. Não é preciso refletir nem mesmo sobre a própria natureza das “necessidades sociais”.
Muito já foi dito sobre o quão lesivo para a civilização pode ser a hegemonia da razão técnica do mundo. A novidade, no entanto, é a soma da razão técnica à hegemonia da razão pragmática. Duas posturas pouco reflexivas com a vida. E que suspendem a criatividade e a imaginação, se não mediadas por uma economia temporal de longo prazo. E mais, por uma renovada curiosidade de “vontade de saber”, com suas positividades, claro. Se a universidade perder isso, a mesma deixará de ser o principal centro de produção e renovação da Crítica da cultura e da civilização. E se reduzirá a apenas uma instituição técnica que oferece diplomas e capital humano recrutável pelo “establishment” da ordem social estabelecida.