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A prática da Vaquejada à luz da Constituição Federal de 1988. Parte I

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Por Thomas de Carvalho Silva

(Advogado e idealizador do abaixo-assinado pela proibição das vaquejadas)

O presente texto tem por objetivo discorrer acerca das vaquejadas, “modalidade esportiva” praticada sobretudo no Nordeste brasileiro, na qual dois vaqueiros a cavalo devem derrubar um boi, dentro dos limites de uma demarcação a cal, puxando-o pelo rabo.

A polêmica é grande e as correntes de pensamento são conflitantes. O costume tornou-se objeto amplo de discussão entre aqueles que exploram esse tipo de empreendimento e as entidades protetoras dos animais.

Os defensores das vaquejadas alegam que ela é um elemento arraigado em nossa cultura, amparada pelo disposto no art. 215, § 1º, da Constituição Federal, que diz que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” e que “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”, além de servir de atrativo para o incremento do turismo, movimentando a economia local, com a geração de vários empregos sazonais.

Em sentido contrário, temos o art. 225, § 1º, VII, segundo o qual incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Assim é que se faz necessário um estudo mais aprofundado do tema, a fim de responder as seguintes indagações: a vaquejada é uma manifestação das culturas populares, amparada pelo disposto no art. 215, § 1º, da Constituição Federal? A vaquejada é uma prática que submete os animais à crueldade, os expondo a maus-tratos, vedada pelo art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal? A prática da vaquejada é ilegal e inconstitucional?

Dessa forma, busca-se mostrar que as vaquejadas são práticas ilegais e inconstitucionais, nas quais os animais são submetidos a abusos, crueldade e maus-tratos, realizadas sob o falso véu de manifestações das culturas populares, devendo ser coibidas com rigor pelo Poder Público e pela coletividade, conforme o disposto no art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal e demais leis ou atos legais de caráter ambiental.

Considerações gerais acerca das vaquejadas

A vaquejada é uma “modalidade esportiva” praticada sobretudo no Nordeste brasileiro, na qual dois vaqueiros a cavalo devem derrubar um boi, dentro dos limites de uma demarcação a cal, puxando-o pelo rabo. Vence a dupla que obtiver maior número de pontos.

Originou-se da necessidade de reunir o gado que era criado solto na mata na época dos coronéis. Conforme José Euzébio Fernandes Bezerra (2007, on line):

Na verdade, tudo começou aqui pelo Nordeste com o Ciclo dos Currais. É onde entram as apartações. Os campos de criar não eram cercados. O gado, criado em vastos campos abertos, distanciava-se em busca de alimentação mais abundante nos fundos dos pastos. Para juntar gado disperso pelas serras, caatingas e tabuleiros, foi que surgiu a apartação.

Escolhia-se antecipadamente uma determinada fazenda e, no dia marcado para o início da apartação, numerosos fazendeiros e vaqueiros devidamente encourados partiam para o campo, guiados pelo fazendeiro anfitrião, divididos em grupos espalhados em todas as direções à procura da gadaria.

O gado encontrado era cercado em uma malhada ou rodeador, lugar mais ou menos aberto, comumente sombreado por algumas árvores, onde as reses costumavam proteger-se do sol, e nesse caso o grupo de vaqueiros se dividia. Habitualmente ficava um vaqueiro aboiador para dar o sinal do local aos companheiros ausentes. Um certo número de vaqueiros ficava dando o cerco, enquanto os outros continuavam a campear. Ao fim da tarde, cada grupo encaminhava o gado através de um vaquejador, estrada ou caminho aberto por onde conduzir o gado para os currais da fazenda.

O gado era tangido na base do traquejo, como era chamada a prática ou jeito de conduzi-lo para os currais. Quando era encontrado um barbatão da conta do vaqueiro da fazenda-sede, ou da conta de vaqueiro de outra fazenda, era necessário pegá-lo de carreira. Barbatão era o touro ou novilho que, por ter sido criado nos matos, se tornara bravio. Depois de derrubado, o animal era peado e enchocalhado. Quando a rés não era peada, era algemada com uma algema de madeira, pequena forquilha colocada em uma de suas patas dianteiras para não deixa-la correr.

Se o vaqueiro que corria mais próximo do boi não conseguia pega-lo pela bassoura, o mesmo que rabo ou cauda do animal, e derrubá-lo, os companheiros lhe gritavam:

– Você botou o boi no mato!

De início, a vaquejada marcava apenas o encerramento festivo de uma etapa de trabalho – reunir o gado, marcar, castrar, tratar as feridas, etc., trabalho essencial dos vaqueiros. Era a “Festa da apartação”, da separação do gado. Feita a separação, acontecia a vaquejada. São provas que mostram a habilidade dos peões e vaqueiros na lida com cavalos e gado.

Por volta de 1940, os vaqueiros de várias partes do Nordeste começaram a tornar público suas habilidades na Corrida do Mourão.

Os coronéis e os senhores de engenho passaram a organizar torneios de vaquejadas, onde os participantes eram os vaqueiros, e os patrões faziam apostas entre si, mas ainda não existiam premiações para os campeões. Os coronéis davam apenas um “agrado” para os vaqueiros que venciam. A festa se tornou um bom passatempo para os patrões, suas mulheres e seus filhos.

Com o passar do tempo, as vaquejadas foram se popularizando. Tornaram-se competições, com calendário e regras bem definidas. Viraram “indústrias” milionárias, que oferecem verdadeiras fortunas em prêmios.

Hoje, há dezenas de parques de vaquejada no Nordeste. Vaqueiros de todas as partes se reúnem para as disputas, pela glória e pelos prêmios, cada vez mais atrativos.

De acordo com Cláudia Magalhães (2007, on line):

Embora não haja um estudo que contabilize os recursos envolvidos durante a realização do esporte, a estimativa, segundo Egilson Teles, apresentador do Programa Vaquejada, da TV Diário, é que cada evento envolve somas que podem chegar a R$ 500 mil.

Em Santa Quitéria, por exemplo, conforme o vice-prefeito e organizador da vaquejada do Município, Chagas Mesquita, a etapa realizada no período de 24 a 26 último no Parque Arteiro Lobo de Mesquita, envolveu cerca de R$ 250 mil em recursos. O evento reuniu cerca de 500 vaqueiros divididos em 100 equipes do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Rio de Janeiro, além de 350 bois e 300 cavalos. Em premiação foram distribuídos R$ 22 mil para os 20 primeiros lugares e mais uma moto Honda e R$ 3 mil para o grande vencedor do evento.

Continua….