por Fabiano Nogueira de A. Vieira
Praia, churrasco, cerveja, barzinho, pizza, forró, futebol e fila do cinema parecem resumir o fim de semana do natalense típico – leia-se bermuda xadrez e camiseta importada. Entretanto, uma incógnita parece chamar atenção: se tamanho de fila gerasse estatística, estaríamos diante de uma cidade amante da sétima arte? Por que não se observa qualquer semelhança com as filas do teatro?
Não creio que alguém possua tanta admiração por filas, mas ‘Eu nunca fui ao teatro!’ – de repente, uma frase que pode chegar a assustar qualquer cidadão de um grande centro – torna-se quase uma máxima inconteste da realidade potiguar. Inúmeras pessoas nunca foram ao teatro ao menos uma vez em sua vida, mesmo morando na capital do estado. E fruto de uma inserção social excluída das artes cênicas, o natalense nasce, cresce, reproduz-se e morre como se a cidade não oferecesse peças teatrais de qualidade, como se a Cidade do Sol não tivesse grupos teatrais de excelência e detentores de vários prêmios nacionais, como o grupo Clowns de Shakespeare, só pra facilmente citar como exemplo, entre tantos outros.
Resgatando a história das civilizações antigas, observamos que um dos aspectos mais significativos da cultura grega antiga foi justamente o teatro e o legado artístico de sua civilização desenvolveu-se de tal forma que, até os dias hodiernos, artistas, dramaturgos e demais envolvidos nas artes cênicas sofrem influência da herança das tragédias e comédias gregas; resgatando a nossa própria história observamos que por meio dessa mesma arte, o Padre Anchieta, em pleno século XVI – período de Brasil colônia – utilizou-se do fascínio provocado por essa perspicaz habilidade cênica como modelo catequizador dos índios por meio de Autos inspirados em representações sagradas encenadas nos adros das igrejas durante a Idade Média na Europa e, que algumas delas ainda hoje são tão presentes em nossas vidas, como o admirável Auto de Natal e o Auto da Semana Santa (Paixão de Cristo), por exemplo. No teatro, a música, a dança, a escultura, a pintura e a literatura unem-se num só intento: entrar em cena uma discussão humana contextualizada numa história enlaçada de medos, conflitos, surpresas, alegrias e tristezas, ódio e amor, comédias e/ou tragédias que se somam imbricadas numa expressão artística que resumem facilmente todas as outras das Belas Artes.
“Eu já fui ao teatro: assisti à peça ‘O casamento de Dona Baratinha’, o colégio me levou quando eu tinha 7 anos e idade”. Uma releitura do já falecido Jesiel Figueiredo – um dos mais destacados representantes do teatro potiguar – com sua feliz adaptação de uma peça infantil, torna-se um dos maiores responsáveis pela imersão no ambiente cênico numa cidade que pouco respira de dramaturgia e que ainda pouco oferece elemento consolidador e fidelizador de público adulto, infelizmente.
Muito mais notório é presenciar um jovem que seja assíduo e fiel em diversos bate-e-voltas à Recife para participar de shows, micaretas ou congêneres, que conhecer um que já tenha ido ao teatro após sua saída da infância, ou já ido ao menos uma vez durante toda sua vida, e o ciclo enfadonho se vicia: teatro não tem público porque não tem investimento, não tem investimento porque não tem público. ‘Eu fui ao teatro’ parece ser mais uma frase de alguém que queira aparecer cult – pra não dizer arrogante – na roda de amigos, que propriamente assunto corriqueiro de cidadãos com um pouco mais de diversidade cultural.
Como exigir algo mais de um cidadão que nasce numa cidade em que o Festival Agosto de Teatro se realiza no mês de Outubro? Uma cidade que tem o Teatro Sandoval Vanderley, com seu palco em formato de arena, fechado, abandonado e esquecido no tradicional bairro do Alecrim? Uma cidade que tem o belíssimo Teatro Alberto Maranhão, no meio do centro histórico–cultural do bairro desamparado, abandonado e inseguro da Ribeira? Não se pode esquecer a sensacional Casa da Ribeira, uma luta de um grupo genuinamente potiguar que chegou a anunciar seu fechamento por falta de incentivos governamentais, mas que felizmente está em pleno funcionamento hodiernamente. Se poucos conhecem o TAM, nem necessário se faz mencionar o Teatro de Cultura Popular Chico Daniel, sem desmerecê-lo, obviamente, mas muitos nunca ouviram sequer falar sobre essa casa e nem sabem quem foi Chico Daniel – in memorian, mamulengueiro natural de Assu, de um talento extraordinário.
Acredite! Existem várias casas de teatro na cidade do Natal e catorze Centros Culturais (Casa de Cultura) pelo interior do estado – o que já é um grande avanço. Geralmente antigos casarões restaurados e estações ferroviárias reformadas nos últimos anos e que dão berço a arte e cultura potiguar, pouco lembrada e valorizada pela própria população e, sobretudo pelos governantes regionais, mas que já são um grande começo na consolidação da difusão cultural pelo estado. É uma esperança que as artes juntamente com o teatro tenham espaço e voz nas terras de Poty.
Recentemente foi inaugurado uma nova casa dentro de um Shopping Center em Natal, talvez a desculpa ‘do longe’, ‘inseguro’, ‘sem estacionamento próprio’, poderá ser substituído por um ‘Eu vou ao teatro hoje!’ e aos poucos espera-se que a magia do abrir das cortinas contagie cada vez mais potiguares à admiração da considerada a sexta das Belas-Artes. Ao sair do teatro, sugira a peça assistida que gostou aos amigos e as peças que não gostou tanto aos não tão amigos assim! No teatro, além do tradicional cheiro de pipoca evidente nas filas do cinema, ainda é possível ouvir a melodia quase erma do sacolejar das balas e chicletes de caixinha.