Folhetim em três partes
Leia a Parte I
Estava cego pela minha obsessão, mas, nos dias seguintes, percebi o que havia de estranho naquelas fotos. Quando entrava nas lojas e perguntava no balcão se alguém já tinha visto aquele chuveiro, todos me respondiam com o mesmo olhar do menino, como se fosse eu o psicopata e/ou maníaco sexual. Em uma das fotos – devo me abster de modéstia em nome de sinceridade – muito bem tiradas, fiz com que fosse possível ler o improvável nome Grzybvsky. Ao exibi-la, completava:
– A marca é Grisibóvisque,
Invariavelmente, as pessoas tentavam repetir o nome em tom de interrogação, sempre com variações inóspitas, como Gribósvique, grisbique, grisboz, ou ainda a versão minimalista gribó. No início, repetia o nome que julgava correto, mas a experiência me ensinou que era um esforço vão, só fazia com que os balconistas tentassem replicar o nome com outro substantivo esquisito.
Em um segundo momento, passei a concordar com essas atrocidades proferidas por eles, o que se mostrou igualmente ineficaz. Todos diziam ter um chuveiro parecido em estoque e voltavam com algum exemplar igual em absolutamente nada, nem de longe, normalmente de plástico e vagabundo. Minha posição era entre a cruz e o chuveiro. Precisava encontrá-lo, ou seria escravo do meu casamento para sempre. Então, fui obrigado a tomar medidas extremas. Como de costume, em determinada terça-feira, saí para trabalhar antes dela, que deixava o lar cinqüenta minutos depois de mim. Fui à padaria e tomei o café mais demorado da minha vida, um café de cinqüenta minutos. Ao ver nosso carro passar pela porta da padaria, me encolhi com medo de ser visto por ela, o que me fez ser visto por todos no estabelecimento. Voltei sorrateiro para casa e, acabo de lembrar, esqueci de pegar o troco do café, dinheiro que me fez falta naquele mesmo dia ao tentar embarcar no metrô. Uma vez em casa, caprichei na voz de doente e liguei para o trabalho comunicando que ardia em febre, de maneira que, infelizmente, não poderiam contar comigo para aquele expediente. Era um evento sem precedentes nos mais de quinze anos de escritório, então não houve maiores complicações para minha carreira. Tirei a roupa social e escolhi uma roupa improvável. Caso alguém me visse pensaria: não pode ser ele, não com aquela camisa. Vesti um pulôver verde com listras amarelas, presente da minha finada madrinha, que por uma questão de bom senso nunca usei. Coloquei o short que usava para jogar bola há menos de quinze e mais de doze anos, que, com alguma razão, demonstrou-se apertado. Fiquei ridículo, mas orgulhoso da minha astúcia.
Fui até o banheiro e comecei a girar o chuveiro em torno de seu eixo no sentido anti-horário, como faz o planeta Terra no Pólo Norte. Depois de algumas voltas, gotas começaram a escorrer pela parede, como que para me avisar, caso eu retirasse o chuveiro, a água do cano viria de encontro ao meu peito.
Uma vez que não entendi o aviso, quando o chuveiro saiu na minha mão, fui surpreendido pela água do cano no meu pulôver verde e amarelo. Ignorei que se tratava de um pulôver, ignorei inclusive que se tratava de um pulôver nunca usado e julguei que a água secaria rapidamente no calor do dia. Não secou.
Como meu dinheiro trocado ficou na padaria, tive de trocar uma nota de cinqüenta no metrô, vestido daquela maneira, molhado e com um belíssimo exemplar de chuveiro debaixo do braço. É o tipo de esforço que um homem consciente não é capaz de fazer para manter um casamento, mas faz para arruiná-lo. Uma vez no Centro, as pessoas nas lojas de material me olhavam com espanto mesmo antes que abrisse a boca. Talvez pelo meu pulôver de Freddy Krueger tupiniquim com um chuveiro debaixo do braço. Novamente, em todas as ocasiões (e foram muitas, porque perdi meu dia com isso), mostravam-me chuveiros absolutamente diferentes daquele que levei comigo. Estava para sempre condenado àquele casamento, para sempre fiel àquele chuveiro.
Voltei para casa desapontado e só consegui colocar o chuveiro no lugar alguns minutos antes que ela chegasse do trabalho. Ao trocar de roupa, notei que o pulôver havia soltado tinta e que eu tinha listras verdes e amarelas por todo o abdômen. Não havia banho, por mais gostoso que fosse, capaz de remover aquelas marcas, mesmo depois de horas debaixo do meu magnífico chuveiro. Quando ela me interrogou sobre as manchas, disse que não me sentia bem, que estava febril e que devia ser sintoma de alguma síndrome esquisita, eu provavelmente estava doente. Disse a ela que no dia seguinte não iria ao trabalho para ir ao médico. No dia seguinte, me atrasei cinqüenta minutos, pois fingi que ficaria em casa, mas cheguei ao trabalho. Era o preço a se pagar para ter o álibi perfeito, caso em alguma confraternização da empresa alguém perguntasse a ela sobre minha febre, que em verdade nunca tive.