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Velhos hábitos

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A tecnologia é fantástica! Nem as novas gerações poderiam imaginar que teríamos acesso aos recursos eletrônicos de que hoje dispomos; os mais antigos, então, ainda custam a crer no turbilhão de novas informações que a cada dia lhes são apresentadas neste mundo high-tech. O impacto das novidades é nada mais que normal. Imagine quando o homem dos tempos remotos, que escrevia nas pedras, se deparou com uma simples folha de papel escrita. Acho que o deslumbramento deve ter sido muito maior do que o de um octogenário sertanejo que se depara com um iPad ou uma vídeoconferência. É da humanidade a evolução, e seus avanços são inexoráveis.

Porém, também é inevitável que algumas pessoas não deixem para trás seus velhos hábitos e ignorem por completo as novas tecnologias. Esse é o caso de uma certa senhora sexagenária que não tem o menor interesse em compreender o tal do computador, esse bicho estranho que prende as pessoas na sua frente como se hipnotizasse suas mentes e corações, distanciando-as das pessoas que estão próximas, e aproximando das que estão longe. Não dá mesmo para compreender.

Vivia muito bem sem aquela comodidade e isso bastava. Quando queria falar com alguém passava a mão no telefone, discava o número e falava; se queria encontrar pessoalmente, tomava um táxi e ia visitar; se o assunto fosse íntimo, pegava papel e lápis, e escrevia uma carta que ia, tranquila, pelo correio. Tudo bem, na paz de Nosso Senhor.

Mas por alguma razão seus antigos hábitos incomodavam algumas pessoas que a cercavam, de modo a lhe atribuir os rótulos de arcaica e caipira, além de teimarem em ensinar-lhe os segredos da tecnologia, do computador e da internet. Diziam que era maravilhoso, que podia falar com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo sem sair de casa, comprar coisas etc.

Quem se importa?, pensava ela. Ignorava solenemente aquelas pilhérias e continuava a sua rotina, inquebrantável.

Um belo dia, quando estava a escrever uma carta para uma amiga que morava longe, percebeu seu neto de dez anos corujando sua escrita, estranhando aquela atividade por ele desconhecida. A curiosidade infantil logo entrou em ação, e disparou:

– Vovó, o que a senhora está fazendo?

Ela levantou a vista e respondeu com aquela ternura típica das vovós:

– Escrevendo uma carta para uma amiga, meu filho.

A criança, claro, não entendeu nada, pois nunca tinha ouvido falar que pessoas escrevessem à mão cartas diferentes daquele monte que seus pais recebiam com um certo desgosto. Por um átimo pensou que sua avó fosse a responsável por aquelas indesejáveis correspondências, mas depois lembrou que ela era uma santa figura, incapaz de tal crueldade. Ainda assim, indagou:

– A senhora quer ajuda para mandar pela internet?

A avó já tinha ouvido aquela e outras palavras estranhas e sabia muito bem do que se tratava. De pronto, com um belo sorriso nos lábios, respondeu ao neto:

– Não, meu filho. Obrigada. Já chamei o carteiro para mandar por e-mail.

Os dois sorriram, cúmplices, com o gracejo; o menino voltou para suas brincadeiras, e ela para sua carta a fim de terminá-la antes da agência dos correios fechar.