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Estamos preparados para a liberdade?

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Já se perguntaram por que defendo o direito de existência de um PSC, e o direito de o PSC defender um modelo familiar? É simples, Voltaire disse uma vez que podia não concordar com o que alguém dizia, mas que lutaria até as últimas por seu direito de dizer o que pensa. E é esse pensamento que norteia meu discurso. Mas: dizer o que pensa é bem-vindo? Estamos preparados para tamanha responsabilidade? A sociedade está preparada para uma liberdade de expressão plena? Dizem que o limite é o direito do outro de se sentir ofendido, mas em que sentido uma ofensa não seria mais subjetiva que objetiva?

Para entenderem direitinho o problema, vamos a dois casos concretos.

O exemplo da casa de evangélicos

Costumo dizer que sou uma ilha de ceticismo cercado de evangélicos por todos os lados. Vez por outra aparece um arrecife budista aqui, uma pedra ateia ali, uma jubarte hare krishna desponta no mar mais adiante, mas o fato é que vivo em uma família em que, quando não se é evangélico, se é católico, o que gera, em seu meio, apenas duas opções religiosas (claro, tenho duas tias espíritas e um tio ateu-maçom, mas com os quais tive ou tenho pouco convívio). O problema gerado é que quase todos os julgamentos sobre sua pessoa perpassarão os estereótipos humanos trabalhados pela religião evangélica (que reduz o escopo humano a uma reles distinção salvo-perdido). Outra consequência desagradável é que qualquer manifestação sua acerca de suas crenças ou práticas é prontamente recebida com agressão, ridicularização ou, algumas vezes, tristeza.

Se eu acredito e ponho em prática a liberdade de expressão, significa que, mesmo que me desagrade, como demonstrei no parágrafo acima, terei de aceitar as opiniões de meus parentes evangélicos. Eles têm todo o direito de usar seus estereótipos humanos maniqueístas ou de se sentirem tristes, mas não têm nenhum direito de serem agressivos ou de ridicularizar minha pessoa.

Resumindo: eles têm o direito de manifestar-se porque tenho igualmente esse direito, e se tenho de aguentar a liberdade de expressão deles, eles têm de aguentar minha liberdade de expressão também. Se, em algum momento, eu simplesmente proibir qualquer um de meus parentes evangélicos de usar a expressão “fique com Deus“, ou se qualquer um deles me proibir de ter um Altar Budista no meu quarto, então teremos aí uma censura, uma falha na liberdade de cada um expressar seus pensamentos.

O exemplo de Rafinha Bastos

Situação semelhante podemos encontrar na piada do estupro proferida por Rafinha Bastos. Apesar de ser de um imenso mal gosto, um país que diz possuir liberdade de expressão trai seus próprios princípios quando abre inquérito para investigar alegações que foram públicas, na cara limpa e com o intuito de fazer uma piada. O Rafinha Bastos disse: Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus.

Mas, se pararmos para pensar, mesmo que algumas mulheres tenham sido estupradas, que isso seja de mal gosto, que seja inverossímil ou que seja imoral, o fato é que ele têm o direito de dizer o que pensa, independente do choque causado ou da recepção do público ao que ele disse. Da mesma forma que a sociedade é obrigada a aceitar a liberdade de Rafinha, mesmo que seja desagradável uma piada como essa, ele também tem de aguentar manifestações como a nota de repúdio publicada pelo Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo(que circulou na internet e eu mesmo cheguei a assinar). Se a nota de repúdio desagradou Rafinha Bastos, ele tem todo o direito de se sentir ofendido, assim como as mulheres tiverem o mesmo direito antes em relação à piada. Porém, nenhuma das partes pode simplesmente proibir a outra de manifestar seus pensamentos, por mais baixos ou imorais que sejam.

 Conclusão

O maior problema que a liberdade de expressão criou é que conseguimos trabalhar lindamente com ela, desde que seja nossa liberdade de expressão, e até lutamos por essa liberdade.

Evangélicos acham lindo a liberdade de distribuir um folheto evangelístico na rua, de pregar no ônibus ou de mandar mensagens pela internet falando sobre o quanto Jesus é bom e como ele mudou suas vidas. Mas evangélicos acham péssimo quando um hare krishna entra num ônibus convidando o povo a um retiro, quando ateus publicam cartazes falando mal da religião ou quando não-cristãos usam as mesmas redes sociais dos evangélicos para divulgar suas ideias (como às vezes faço questionando a fé, a doutrina ou os princípios cristãos). Na verdade, eles se acham ofendidos quando alguém, usando de sua liberdade de expressão garantida por lei e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, faz as mesmas coisas que os evangélicos também fazem.

E engana-se quem acha que apenas os evangélicos são assim. Todos são assim, pois frequentemente esquecemos que não lidamos bem com a liberdade de expressão dos outros, e frequentemente a consideramos ofensa. Se queremos um país de livre expressão, temos de lutar por ela.

Algumas vezes, o que o outro expressar poderá ser uma afronta a meus valores, uma ofensa aos meus princípios e pode lidar com alguns preconceitos, mas tenho de permitir isso mesmo que não goste do que se expressa, uma vez que quase tudo o que digo pode ser uma afronta aos valores alheios, uma ofensa aos princípios alheios e pode lidar também com alguns outros preconceitos. Se queremos um país livre, temos de aguentar a liberdade dos outros, e não apenas a nossa liberdade.