Se há um mito que representa uma visão inflada e enganadora da auto-imagem do natalense é a de que Natal, minha, sua, nossa cidade, é bonita e aconchegante. Ora, nada poderia ser mais falso. Faço um convite para você que se incomodou com a afirmação anterior: deixe o amor pela capital do RN de lado e olhe objetivamente ao seu redor. Logo verás que Natal não apresenta condições básicas de urbanismo e a beleza se desfaz no ar.
A cidade tem problema crônico de falta de calçadas. Ciclo via? Nem pensar… Se você anda a pé pela cidade, sabe que não é incomum ter de dividir a rua com os carros. Alias. É a regra.
Apenas 30% da cidade se encontra saneada. Toda a Zona Norte, que representa 34% de Natal, não tem 1% sequer de esgotamento adequado. Os dejetos humanos boiam por toda parte. Da zona sul a oeste. De Nova Descoberta a Bom Pastor.
A falta de planejamento da ocupação do solo fez com que casas dividam espaço com apartamentos, muitas vezes, retaliando a paisagem urbana, aumentando a feiura e trazendo mais problemas.
Natal é uma capital quase que permanentemente suja. Há momentos em que a situação está um pouco melhor, mas sempre é possível encontrar muito lixo espalhado. E não adianta colocar a culpa na prefeitura, apenas. Tem a ver com a (falta de) cultura cívica daqueles que se dizem cidadãos.
A nossa malha viária está completamente massacrada e ultrapassada. Certo dia, sai da minha casa e, para conseguir locomover uma distância de 20 km de transporte coletivo, levei mais de três horas. Estaremos feitos se buraco for sinônimo de beleza.
A espera de um ônibus pode se tornar ainda uma aventura pluviométrica. Uma cidade que enfrenta chuvas torrenciais durante 04 e até 06 meses do ano não pode ignorar a construção de paradas adequadas. No entanto, também é a regra que se impõe.
Mas há as “maravilhas naturais”. Que maravilhas? Nossas praias, ora bolas. Risível. Comparada com as orlas de João Pessoa e Recife, Ponta Negra sempre foi o patinho feio. Tem até esgoto a céu aberto. Não preciso mencionar a redinha e a dos “artistas”, concordam?! Tem a Via Costeira, que é praticamente uma praia particular. Os donos dos hotéis da região conseguiram, através de lobby, que transporte público não passasse por ali. Apenas o “necessário” para levar os seus funcionários. Pequena parte de Natal que os natalenses não podem usufruir.
O parque das dunas, nosso restinho de mata atlântica, já já dança na mão dos “desenvolvimentistas” que querem “tomar de conta”. Contaminação dos lençóis freáticos, ausência de saneamento, fim da diversidade ecológica? Hoteleiro nunca esquentou a cabeça com essas coisas…
Os centros históricos estão abandonados. Melhor: receberam algum dia grande atenção? Natal foi palco, como base militar e tudo, da maior guerra da história do homem. Porém, Mossoró consegue lucrar mais culturalmente e com o fomento do turismo com um tiroteio entre alguns moradores e meia dúzia de cangaceiros.
Natal, como diz a literatura sociológica, é uma legítimo não lugar. É carente de equipamentos públicos, praças, museus, teatros, etc. Faça um teste: tente jogar basquete em uma quadra situada no Bairro Nordeste ou em Mirassol. Tenha a certeza de que o sentimento será de decepção.
E por que chamamos Natal de bela? De cidade do sol…? Porque a amamos. Mas o carinho pela cidade não pode nos cegar. Temos de mudar essa visão, até para poder, de fato, construir algo que seja digno de admiração.
Por enquanto, vivemos aquilo que Freud chamou, ao se referir a religião, de uma histeria coletiva. Delírio que só nos mantêm conformados com um sol um belo, que fica alguns milhões de quilômetros da terra, e, ao mesmo tempo, com a pobreza urbana que caracteriza Natal.