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Direito da Democracia: Anjos e Tribunais de Contas

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Jules Queiroz, Advogado

 

A festejada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2012) deu nova clareza e feição à função dos Tribunais de Contas na defesa da probidade administrativa.

A partir dela, tornaram-se inelegíveis aqueles que “tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão.” (art. 1o, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/90).

Apesar de a legislação anterior já prever inelegibilidade pela rejeição de contas, a Lei da Ficha Limpa deu maior amplitude e clareza aos requisitos legais, bem como ampliou substancialmente o período de exclusão política.

O problema é que a nova legislação traz ideias e conceitos que ainda não tiveram a oportunidade de ser explorados pelo Judiciário, o que me parece que levará a discussões ferrenhas durante as eleições de 2012.

A confusão na informação pública quanto a esses pontos fica ainda mais confusa por das razões.

Primeiro, os “listões” de gestores com contas reprovadas são formulados pelos Tribunais de Contas sem critérios claros e transparentes. Nas listas encontram-se pessoas que, a rigor, não poderiam ter sido julgadas naquelas Cortes, bem como pessoas que tiveram suas condenações suspensas ou anuladas pela Justiça.

Em segundo lugar, a mídia, para variar, trata a questão de forma superficial, tomando a opinião de um ou outro advogado como verdade absoluta a ensejar manchetes com letras garrafais e violentas de que “FULANO ESTÁ INELEGÍVEL”. Ignoram que ainda há muita névoa sobre a matéria.

Mas quais as questões que vão gerar discussões? Podemos apontar algumas.

Em primeiro lugar está a reprovação de contas de Prefeitos.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu por inúmeras vezes que cabe ao Poder Legislativo respectivo julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, sendo atribuição do Tribunal de Contas apenas emitir parecer prévio e não vinculante[1]. Apesar disso, alguns Tribunais de Contas, inclusive o potiguar, enviaram nomes de prefeitos com contas “julgadas” por essas Cortes, a despeito de se tratar de prerrogativa privativa da respectiva Câmara Municipal.

Outra situação é do Tribunal de Contas da União. Há precedentes do STF que afirmam que, ao contrário dos Tribunais de Contas dos Estados, o TCU pode julgar Prefeitos na hipótese de firmamento de convênios com o Governo Federal. Nessa hipótese, o TCU não é instância consultiva, mas deliberativa, e sua decisão pode gerar inelegibilidade.

Outra discussão é a questão de que saber quem decide o que é “ato doloso de improbidade administrativa”.

Os atos de improbidade são sanções civis-administrativas cominadas a agentes públicos por enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público ou violação de princípios vetores da Administração Pública.

A Lei da Ficha Limpa não deixou claro a quem cabe dizer quando uma conduta que enseja reprovação de contas configura ato doloso de improbidade: se à Justiça Comum Estadual ou Federal, a quem cabe julgar as ações de responsabilidade por atos de improbidade; aos próprios Tribunais de Contas; à Justiça Eleitoral, durante os registros de candidatura.

Em geral, ao julgar contas, os Tribunais de Contas não entram no mérito da improbidade, fazendo, na verdade, referencias à má-fé ou não do gestor, bem como à possibilidade ou não de saneamento de determinadas irregularidades, o que não se confunde necessariamente com improbidade.

Resta então uma insegurança sobre a inelegibilidade ou não de certos candidatos. Essas questões, ressalte-se, podem ser discutidas em ações perante a Justiça Comum ou na oportunidade do registro perante a Justiça Eleitoral. O foro de discussão vai depender de seu fundamento, bem como do timing da assessoria jurídica do candidato.

A Justiça Eleitoral especificamente tem o dever de fechar essas questões o mais rápido possível, permitindo um equilíbrio devido entre a proteção do patrimônio público e os direitos políticos dos cidadãos.

O que é certo é que nem os conselheiros e ministros de Tribunais de Contas nem os gestores públicos são anjos. Estão sujeitos a falhas que demandam controle. Como disse James Madison em “O Federalista”, se os homens fossem anjos não precisaríamos de governo. Completo: se não precisássemos de governo, precisaríamos muito menos de eleições.



[1] Nesse sentido, artigo 71, inciso I, da Constituição e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) no 849/MT, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, e 3.715/TO, Rel. Min. GILMAR MENDES.