Patética, todos sabemos que a situação do nosso estado sempre foi. Desnecessário discorrer sobre como as oligárquicas dinastias feudais vem obstinadamente mantendo o Rio Grande do Norte nessa situação vergonhosa na qual sempre esteve, ajoelhado ante o implacável furor demagogo-coronelista que sufoca o nascimento de quaisquer forças políticas que cometam o disparate de não sair de seus ventres.
Hoje, sob a regência de mais uma representante do coronelismo institucional também nascida do bojo de uma dinastia familiar parasitária, o Rio Grande do Norte consolida ainda mais sua eterna vocação de província, principalmente quanto à precariedade dos serviços públicos essenciais que, se historicamente estão aquém do ideal no Brasil como um todo, nestas plagas parece que existe uma verdadeira aversão a qualquer iniciativa que represente um mínimo de melhoria a algo que simplesmente é dever constitucional do Estado.
Prioridades
Das inúmeras áreas carentes de investimentos e políticas públicas que aqui poderíamos enumerar, destaco uma: a que trata do combate e prevenção à exploração sexual de crianças e adolescentes.
O RN, como se sabe, não recebe o atual expressivo número de turistas – principalmente estrangeiros – em virtude apenas de suas belezas naturais. O chamado turismo sexual, conforme já foi mostrado mais de uma vez em rede nacional, tem bastante capilaridade em nossa capital. A exploração de crianças e adolescentes nesse sentido também é bastante comum, não necessitando de quaisquer índices ou estatísticas para vislumbrar uma realidade que pode tranquilamente ser constatada a olho nu.
Apesar do advento da Copa da Mundo, onde o número de visitantes estrangeiros em nossa cidade irá aumentar substancialmente, não há, hoje, qualquer indício da existência de uma mínima vontade política voltada à implementação de políticas públicas e ações correlacionadas voltadas para a prevenção e combate a esse hediondo delito. Pior, o que parece existir é uma completa aversão a qualquer iniciativa que tenha um mínimo de incidência social e transformadora, conforme se constatou com a proposta orçamentária apresentada pelo governo no final do ano passado, onde pesados cortes ocorreram em órgãos e secretarias de viés social como a SETHAS (Secretaria de Trabalho, Habitação e Assistência Social), FUNDAC (Fundação da Criança e do Adolescente), Meio Ambiente e Recursos Hídricos (esta, surpreendentemente, teve um corte de 70% dos seus recursos, para um ano no qual a seca vem assolando o interior do estado com maior intensidade que o normal), Segurança Pública, Educação, Saúde e Defensoria Pública.
A Secretaria de Comunicação, entretanto, não foi vítima do arrocho orçamentário que busca matar por inanição o exercício funcional das secretarias acima enumeradas: teve a publicidade governamental um descarado aumento de oito para dezoito milhões de reais (cerca de 120%), com direito à abertura de crédito suplementar de aproximadamente três milhões de reais, segundo publicação recente no Diário Oficial do Estado.
A conjuntura na qual se encontra a rede de instituições voltadas à proteção da criança e do adolescente, já historicamente precária, se debilita ainda mais com os pesados cortes orçamentários em um momento onde o Rio Grande do Norte, vejam vocês, bate recordes de arrecadação. Hoje, uma criança vítima de violência sexual que busca a Delegacia Especializada em Defesa da Criança e do Adolescente (a única para os mais de cento e sessenta municípios do estado), tem seu inquérito finalizado em média de oito meses (o artigo 10 do Código de Processo Penal coloca que o inquérito policial deve ser finalizado em trinta dias caso o suspeito esteja em liberdade, ou em dez dias, uma vez detido).
Não suficientemente, a mesma criança, quando enviada hoje ao ITEP para fins de elaboração dos exames periciais de conjunção carnal e laudo psicológico, tem um horário marcado apenas para março de 2013, enquanto o agressor, presenteado pela tradicional inépcia governamental em voltar os olhos para áreas que não digam respeito a sua auto-promoção publicitária, tem consideráveis chances de não ser responsabilizado por um delito que, é bom que se repita, figura no rol dos crimes tipificados como hediondos sob a forma do odioso estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal e artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 8.072/90, a Lei dos Crimes Hediondos).
Dispensável também discorrer pormenorizadamente sobre a situação dos jovens em conflito com a lei detidos nas unidades do CEDUC (Centro Educacional) e CIAD (Centro Integrado de Apoio ao Adolescente Infrator) do estado, submetidos a condições subumanas que nada correspondem à prioridade absoluta e à proteção integral que o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal lhes conferem enquanto seres especiais em formação e em desenvolvimento.
Estratégia fajuta
Colocar-se a favor da priorização da melhoria da prestação de serviços essenciais para a sociedade em desfavor de uma esdrúxula, frívola e dispensável Copa do Mundo soa como inaceitável heresia aos ouvidos dos cães de guarda governamentais, acólitos de um projeto político cujo escopo é favorecer, tão somente, às necessidades e conveniências de alguns poucos.
Não raro, lançam mão do detestável verbete da “geração de emprego e renda” (assunto já tratado aqui, nesta Carta Potiguar), mote padrão para justificar as maiores atrocidades e violações à lei e aos direitos humanos. Qualquer provocação que demonstre a mais discreta penumbra de contrariedade a plataformas políticas de pouca funcionalidade coletiva e com dividendos puramente políticos e econômicos para poucos (vide os próprios ‘investimentos’ para a Copa) será, de pronto, estigmatizada como contrária ao progresso e ao desenvolvimento.
Diante da total ausência de vontade política em servir setores hipossuficientes e marginalizados da sociedade, tratando, em específico, da exploração sexual de mulheres e crianças e adolescentes, esperemos, fatalmente, o grande prostíbulo que o Rio Grande do Norte, em especial Natal, está fadado a se tornar em 2014 – maior, inclusive, do que já é na atualidade. Tudo com o inegável aval governamental, grande incentivador de tais práticas por meio de sua omissão em priorizar as necessidades básicas da população e combater chagas sociais como a exploração sexual de jovens – tudo sob a égide, dentre outras coisas, da criação de emprego e renda. Claro.