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Considerações sobre política, ética e economia

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Exemplo de contradições do modelo político-econômico ao qual estamos vinculados no atual momento histórico (foto do autor, Pombal/PB-2008).

Alguns economistas e alguns sociólogos podem discordar, mas os mesmos princípios sócio-econômicos que regem o Capitalismo regem também o Socialismo e, por conseguinte, o Comunismo. Nesses modelos sócio-econômicos, o sistema de valores possui buracos, que podem ser preenchidos por pequenas gradações de abstração internas acerca de determinados objetos. Falando para leigos: o sistema capitalista baseia-se em uma agregação de valor, na noção de propriedade privada sobre meios de produção e sobre a valorização do esforço individual, enquanto que o Socialismo/Comunismo preconiza uma sociedade dominada pelo proletariado, que assume os meios de produção e coletiviza os resultados do esforço individual. Se cruzarmos os dois sistemas, por exemplo, poderemos ter um proletariado que acumula o capital por meio da propriedade limitada aos membros do “sindicato” com posterior distribuição do lucro entre os membros, ou seja, teremos uma sociedade Sócio-Capitalista. Isso é possível porque a lógica de um não exclui necessariamente a lógica do outro (exceto no quesito esforço individual). Para os que acham essas ideias um absurdo, lembro que existem grupos ideológicos com junções a princípio excludentes, como Anarco-Comunistas, Neoliberais da Terceira Via (PSDB) e Esquerdas Fisiologistas (no caso do PT).

Porém, a existência de visões de mundo extremistas leva a um fenômeno histórico interessante: todos os que defendem uma ideia a defenderão por qualquer meio, e lançando mão de qualquer tipo de ação, mesmo as mais reprováveis, mesmo que passem por cima de direitos individuais. Quando um Cristão acredita piamente que você só será feliz quando tiver aceitado Jesus no coração, ele pode ser capaz (a história nos ensina isso) de te matar caso você não aceite Jesus no coração. Para eliminar todas as formas de infelicidade no outro, um extremista é capaz de tentar eliminar a infelicidade do outro de todas as formas, ainda que o outro precise ser eliminado junto com ela. É mais ou menos isso que enxergo nas visões de mundo de membros, simpatizantes e seguidores de Movimentos Sociais, Partidos Políticos, Departamentos Acadêmicos, Linhas de Pesquisa, Congregações Religiosas e Grupos Ideológicos no mundo atual.

Uma forma honesta de defender uma ideia é afirmar não somente que ela pode ser aplicada, mas demonstrar como ela pode ser aplicada. A totalidade dos atos éticos possíveis nunca será posta em prática, uma vez que, como afirmei em outro texto, qualquer forma tenta aplicar os princípios e pode transformar a busca pela universalidade em uma luta pela hegemonia. Se eu defendo um Coletivismo, faço-o apenas porque o considero o melhor modelo econômico, mas não irei, em hipótese alguma, ir de encontro a direitos individuais para aplicá-lo. Não abro mão da ética para ver uma ideologia aplicada a todo custo. Por isso, resolvi estabelecer o esquema abaixo que nada tem a ver com as teorias de sociólogos e economistas a respeito da sociedade. Uma ideologia política pode ser traçada em torno de três eixos principais:

Eixo de Quantidade

Por Eixo de Quantidade entende-se toda e qualquer forma de sustentar os valores energéticos de uma sociedade. No Escravismo, por exemplo, o Escravo é o fundamento da economia. Possuir mais escravos é, em essência, possuir mais status, mais poder e mais influência social. Porém, o Eixo de Quantidade é basicamente a noção de coletivização/individualização dos fundamentos da economia. O Privatismo é tão somente a noção de que os fundamentos econômicos podem ser individualizados, privatizados, e pertencerem a uma pessoa ou grupo de pessoas. O Coletivismo é entendido como a ideia de que os fundamentos econômicos devem ser coletivizados, tornados públicos e acessíveis a todos os grupos e a todas as pessoas. Geralmente (mas nem sempre) a Direita defende o Privatismo e a Esquerda defende o Coletivismo.

Eu, por exemplo, tenho uma visão de mundo que preconiza uma sociedade igualitária, em que todos os membros abdicarão livremente de qualquer posse individual sobre bens dos meios de produção e dos recursos naturais (água, petróleo, minérios, lavouras, criações de animais, bancos etc.), preservando bens individuais (pertences pessoais e imóveis individuais), e que isso só será conseguido pela educação e pela conscientização ainda na escola sobre o conceito de posse. Isso porque um Coletivismo efetivo, assim como um Privatismo efetivo, não pode ser forçado, é algo totalmente provindo da iniciativa pessoal e individual, o que nos leva ao outro ponto.

Eixo de Estatutalidade

Por Eixo de Estatutalidade compreende-se o nível de valoração que geralmente é dado à autoridade e aos da liberdade frente ao Estado. Em uma Ditadura, por exemplo, há a estatização de empresas, o controle de direitos individuais e o paternalismo econômico por parte do Estado, o que implica em duras sanções a todos aqueles que se puserem contrários às ideologias do Estado. O Eixo de Estatutalidade é tão somente um princípio diferenciador liberdade/autoridade nos princípios fundamentais da Ética. O Libertarianismo preconiza a liberdade individual e a responsabilidade frente ao outro, de modo que todas as suas liberdades individuais são garantidas, mas todas as suas responsabilidades em respeitar a integridade e a liberdade do outro são também impostas. O Autoritarismo é justo o oposto, pois limita sua liberdade e transfere a responsabilidade por garantir essa liberdade ao Estado, implicando em sempre uma criação de leis de modo representativo, e não participativo.

Assim, um indivíduo libertário é tão somente aquele que preza pelo Estado Mínimo (as privatizações e o Comunismo Pleno, por exemplo, têm mais em comum no campo ético do que se imagina). Eu sou um defensor do Libertarianismo pleno, enquanto que alguns amigos no PCdoB ou do PSDB são favoráveis aos princípios do Autoritarismo.

Eixo de Beneficiamento

Por Eixo de Beneficiamento compreende-se o alcance dado aos benefícios sociais. Em uma sociedade de castas como a indiana, por exemplo, há uma nítida manifestação do alcance do beneficiamento: as castas superiores têm privilégios (direitos exclusivos a grupos ou pessoas) que são socialmente negados às castas mais baixas. É o mesmo princípio das Cotas Raciais (as vagas na universidade são separadas para serem destinadas de forma exclusiva aos negros)*. O Eixo de Beneficiamento é tão somente a distinção de princípio humanidade/abstração. O Humanismo é a busca pelo alcance mínimo de todo e qualquer benefício social a simplesmente todos os seres humanos, sem qualquer exceção e sem qualquer limite de alcance desses benefícios. O Abstracionismo (neologismo meu) é a busca pelo alcance mínimo de todo e qualquer benefício social a determinados grupos de seres humanos, criando exceções e limites de alcance desses benefícios a outros grupos (como o direito religioso e sexual da Lei Islâmica ou o fato de a Maria da Penha considerar o homem um agressor por pressuposto). Em resumo, é o simples reconhecimento ou não do trabalho individual em contraposição à condição de nascimento.

Assim, quando digo que sou humanista significa que luto simplesmente pela liberdade, pela igualdade de oportunidades, pelo bem-estar, pelos direitos e pela noção geral de responsabilidade por parte de todos os seres humanos, sem concentração de “grupos de luta”, sem pautar-se em elementos de classe, e sem defender classes determinadas. Por isso, um defensor da DUDH que se diga humanista nunca usará o artigo VIII para justificar ações afirmativas que detratem claramente direitos individuais (algo expressamente proibido pelo artigo XXX), e um abstracionista em geral pode usar o mesmo artigo com o argumento de reparo histórico, busca de igualdade ou qualquer outro blá-blá-blá-besta para justificar ações afirmativas que sejam, para outros grupos, ações negativas.

Enfim, há possibilidade de aplicação de todas essas formas ideológicas acima, exigindo apenas de quem as defenda uma certa coerência. A quantidade de defensores não implica na maior ou na menor ética de uma ideologia, mas a ideologia em si é que deve pesar o que é mais importante. Uma pessoa pode defender ideais coletivistas, autoritaristas e abstracionistas (como a atual extrema esquerda brasileira) ou então ideais privatistas, centro-autoritaristas e centro-abstracionistas (como a atual extrema direita brasileira), assim como podem existir coletivistas, libertários e humanistas (eu e outros 16 gatos pingados em todo o Brasil). Enfim, é algo a se pensar. Afiem suas foices!

* Por favor, não estou aqui para discutir as cotas, mas a composição basilar de uma ideologia político-econômica no campo da Ética.