Por Manoberto Victor
(Graduado em Geografia – UFRN)
A globalização é um processo contínuo que contribui para a ausência de fronteiras existentes no nosso cotidiano, através da contribuição promovida por avanços: tecnológicos, científicos e informacionais. Tal universalização do mundo promove modelos, regras e estilos que são aplicados a: economia, mercado de trabalho, vida social, consumo, alimentação, cultura, dentre outros. Contribuindo para uma racionalidade a serviço do capital. Em contrapartida a este processo de redução das distâncias, intensificação dos contatos e padronização dos valores políticos, econômicos e sociais, surge, como reação, o regionalismo – que de forma sucinta – reivindica costumes, valores e posturas identificadas como tradicionais ou definidoras de uma região, cultura ou povo. De um modo geral, o regionalismo busca aproximar ou vincular as pessoas de uma maneira significativa e radical àquilo que seria “próprio” à elas como um povo ou cultura particular.
Como não poderia deixar de ser, o esporte, como uma atividade individual e coletiva, está fortemente ligado a tais processos, isto é, tanto a globalização quanto a reação regionalista à globalização. Desde os anos noventa do século XX, a expansão de um clube ou time, depende, decisivamente, de ações intimamente relacionadas ao mundo globalizado – ações de marketing, publicidade, difusão das marcas em meios de comunicação de massa e instantâneos, dentre outros meios), onde o consumo do produto (clube) é motivado ou realizado em primeiro plano por um sentimento de identificação, seja no âmbito global ou regional.
Um personagem surge em meio a esta disputa de valores, o torcedor “misto”. Uma figura de discussões e julgamentos do universo futebolístico, que tem o seu sentimentalismo regional posto em prova. Na gíria do futebol, o “misto”, é aquele “torcedor”, que torce somente por um time de outro Estado (que não seja o da sua origem/nascimento) ou que torce por um time do seu Estado, mas também por um clube de outro Estado com o qual divide seu coração e, também, o seu bolso. Para explanar tal definição, tomemos os amigos: José e João. José é potiguar, mora em Natal, gosta de futebol, e o seu time do coração é o Flamengo. João, que também nasceu no RN, torce pelo Vasco da Gama e para o ABC. Ambos não possuem nenhuma ligação com o estado carioca, a não ser através da mídia, por intermédio dos jogos. O que leva a muitas vezes João a trocar a ida ao estádio – apoiar o time do estado onde nasceu – para acompanhar pela TV, no seu sofá, um time que não possui uma relação condizente. Há de se acrescentar também, um sentimento de rivalidade compartilhado pelos amigos potiguares. Onde cada um detém apenas informações geradas através das imagens das câmeras e dos comentários (duvidosos e tendenciosos) dos jornalistas e comentaristas que cobrem a partida.
Não há como negar a emoção de poder acompanhar de perto um jogo do seu time do coração (seja do seu estado ou não). Poder estar próximo, separado apenas por alguns metros de distância, cantando, gritando, xingando, compartilhando instantes de aflição e êxtase com outros semelhantes, momentos que as lentes não podem transmitir, e a mídia não consegue expressar. Torcer in loco é ao mesmo tempo uma forma de apoio e protesto.
A distância estabelecida entre o torcedor misto e o seu clube do eixo sul/sudeste resulta numa discriminação. Um desrespeito procedido por torcedores do estado do seu clube, e pelos torcedores dos clubes locais. Tal atitude desnecessária se reflete devido a influência direta da mídia em torno dos torcedores mistos. Apesar da falta de apoio e desconhecimento frente ao futebol regional, o torcedor misto merece respeito (assim como qualquer outro), pois cada indivíduo tem o direito de torcer, admirar ou simpatizar pelo time que quiser, seja de outro estado ou país, entretanto, isto não lhe da o cabimento de se utilizar de falsos julgamentos e argumentos contra os times da região, caso não torça. Os times locais merecem respeito tanto quanto os de outras regiões ou países. Assim como é possível simpatizar por clubes de outros estados, é possível também criar um sentimento por um clube local.