Por Ana Paula Bessa, no Observatório Mídia & Política
Uma pesquisa realizada pela PR Oriella Network revelou que muitos jornalistas brasileiros buscam mais informações nas mídias sociais do que nas assessorias de imprensa. Cerca de 66,67% dos entrevistados disseram utilizar o Twitter como fonte de informação. Os outros 40% disseram utilizar o Facebook.
Apesar de a notícia ser positiva para as redes sociais, a pesquisa também mostrou que os jornalistas costumam ter o hábito de confirmar as informações recebidas nessas redes com a assessoria de fontes oficiais, ou até mesmo, com as próprias fontes. Pode-se concluir que, mesmo que os jornalistas acessem com frequência as redes sociais para buscar informações, são as fontes oficiais ou assessorias que ditam a veracidade das informações.
Diante dos números, pode-se perceber que as rotinas das redações de jornais mudaram no que tange à busca de fonte de informações e seu relacionamento com elas. Houve uma ressignificação do campo de atuação do jornalista. O acesso direto a fontes alterou o processo de apuração para a maioria dos jornalistas brasileiros, como mostra a pesquisa. O trabalho de apuração em si não mudou, ainda é necessário analisar as fontes de informações, porém foram acrescentadas novas ferramentas que modificam e reconfiguram a rotina de busca por fontes.
Neste cenário, onde o fluxo de informação é maior e a produção do conteúdo não é feita somente pelo jornal, é cada vez mais pertinente a pergunta que há anos vem sido feita pelos pesquisadores do jornalismo no ciberespaço: toda pessoa é uma fonte de informação, que atende aos critérios de confiabilidade? Com a descentralização da informação há uma inversão no fluxo de notícias que antes eram muito dependentes de fontes oficiais (MACHADO, 2002). Isso não significa que se tenha perdido a preferência pelas fontes oficiais e oficiosas, mas ampliou o leque de informações e o acesso a elas.
O advento das informações produzidas e repercutidas nos sites de redes sociais acabou dando maior acesso a um sem número de fontes espalhadas em todo o mundo. Mas como será o relacionamento do jornalista com esse número de fontes disponíveis nessa rede? Como é feita a seleção das fontes? Usam-se as antigas ferramentas de valores-notícia e escolha de fontes da época do surgimento da teoria construcionista
(TRAQUINA, 1999) ou essas redes alteraram o processo de escolha do “gatekeeper”?
As fontes no ciberespaço
A principal ferramenta de trabalho do jornalista é a fonte e tudo o que ela representa para certificar que um ato aconteceu, não aconteceu, está para acontecer ou como ele irá acontecer. Sem o testemunho, as aspas ou a denúncia de sua fonte de informação, o jornalista não tem notícia, não tem trabalho. Com disse Wolf (1999) “as fontes são um fator determinante para a qualidade da informação produzida pelo mass mídia”.
Lembrando os ensinamentos de Traquina (2003) há critérios que são utilizados no jornalismo para avaliar a “fiabilidade da informação”. Sabe-se que se uma informação veio de uma autoridade e se seu cargo for prestigiado, maior é a confiança dos leitores na informação cedida. Esses critérios foram criados numa tentativa de rotinizar o trabalho, sem que haja falhas na notícia divulgada.
No tempo do ciberespaço, algumas dessas rotinas foram modificadas ou até mesmo adequadas (MACHADO 2002). Com a disposição de novas tecnologias para o trabalho dos jornalistas, vieram consequências no que tange a pesquisa de apuração, produção e difusão da informação. No ciberespaço são feitas todas as etapas de produção da notícia, desde a pesquisa e apuração até a circulação. Neste modelo, há uma estrutura mais descentralizada da informação o que acaba multiplicando fontes de informação.
A construção de conexões nos sites de rede sociais tomou proporções mundiais, acarretando um grande leque de informações geradas, publicadas e difundidas neste meio. É neste cenário que o jornalista está inserido atualmente. Há uma porção de informações que atendem grupos sociais distintos com todo o tipo de fonte– desde a menos preparada até grandes especialistas e pesquisadores do assunto – e com o mesmo tempo de deadline disponibilizado há anos atrás na formulação da rotina básica de uma redação de jornal.
Segundo Recuero (2009) há três tipos de relações das redes sociais formadas na Internet com a produção jornalística:
a) as redes sociais como fontes produtoras de informação;
b) redes sociais como filtros de informação;
c) redes sociais como espaços de reverberação dessas informações.
No primeiro tipo, fica claro que o acesso aos sites de redes sociais por pessoas de várias idades e distintos grupos sociais, é capaz de tecer pequenos relatos sobre o seu cotidiano ou acontecimentos importantes do grupo a que pertence que, dependendo da quantidade e qualidade de suas conexões, podem difundir a informação de forma que se chegue a grandes canais formais de veiculação de notícia. Logo, essas redes sociais são grandes produtoras de informação.
Em pesquisa que realizei na editoria “Super Esportes” do jornal Correio Braziliense, principal jornal do Distrito Federal, em 2011, levantei algumas dessas questões para avaliar o quanto as redes sociais alteraram a produção da notícia e o relacionamento com fonte. Adotando métodos de etnografia (CABRERA ET AL 2008) foi realizada entrevista com sete jornalistas da editoria, metade da equipe devido ao rodízio de jornalistas de plantão. Mesmo com equipe reduzida, foi visível o método e a rotina adotados no uso das redes sociais para buscar fontes de informação e como ferramenta de relacionamento com a fonte.
No início da rotina de trabalho, todos os jornalistas acessaram seus perfis pessoais nos sites de redes sociais – preferencialmente Twitter e Facebook – e também os perfis da própria editoria, cuja presença está mais concentra no Twitter. Três profissionais possuíam a opção de carregamento automático desses perfis em seus browsers de navegação. Para esses profissionais, ao acessar o computador e clicar no link de navegação da internet, as redes sociais carregavam automaticamente.
Neste dia de observação, um dos jornalistas teve um problema de comunicação com um ginasta olímpico que não possuía o celular em funcionamento e estava com uma série de problemas para conseguir dar a entrevista. Por sugestão da própria assessoria do atleta, a jornalista adicionou o ginasta no Facebook para uma tentativa de entrevista por meio de mensagem. Em questão de minutos o atleta já havia aceitado a jornalista como “amigo” e logo a entrevista foi feita. Ao passar para o seu editor as circunstâncias em que a entrevista aconteceu, não houve nenhum tipo de retaliação ou repreensão pela prática, muito pelo contrário, o próprio editor chegou a comentar com a jornalista que se a assessora não tivesse sugerido esta opção, ele mesmo o iria fazer.
Após entrevistar os profissionais e observar suas rotinas de trabalho foi possível concluir que há, sim, o uso de redes sociais para buscar fontes de informação, e isso é feito de forma frequente uma ou mais vezes ao dia, de acordo com a demanda de matéria que deve ser entregue no dia. Há também o uso das redes sociais para manter contato e relacionamento com fontes, mas normalmente não são fontes “usuários comuns”, mas atletas, técnicos e produtores de eventos de esportes que, geralmente, conhecem o jornalista pessoalmente e aprecia o trabalho realizado por ele. A busca e o uso de fontes de informação que são de usuários comuns acontecem na editoria, porém são menos constantes.
Também por meio da entrevista e utilizando perguntas referentes ao uso preferencial das redes sociais e não das assessorias de imprensa, todos os sete profissionais responderam que, se há o contato direto da assessoria ou do próprio telefone ou celular do atleta, a apuração é feita desta forma.
Caso não haja conhecimento de fontes, muito menos do contato de cada uma delas, é utilizado sites das redes sociais. Porém, durante a observação não foi esse o comportamento: quatro, dos sete jornalistas, ao receberem uma matéria para apurar, consultavam informações sobre o tema ou a pessoa nas redes sociais, caso houvesse uma fonte em potencial o contato era feito de imediato. Essa dissonância de informação pode ser devida à rotina específica do dia, visto que era feriado e poucas assessorias de imprensa estavam trabalhando normalmente.
Conversando com cada repórter, foi possível compreender que há sim critérios que são utilizados para a seleção de fontes de informação nas redes sociais. Todos os profissionais responderam que os atletas são as fontes privilegiadas, ou seja, todas as informações relevantes postadas por eles possuem credibilidade e não há restrições quanto ao uso dessas fontes nas matérias. Em segundo lugar vêm as organizações como clubes, assessorias, associação e entidades desportivas. Apenas para um jornalista a preferência de informação é para usuários comuns que postam notícias relevantes sobre o esporte local. Este jornalista é responsável pelo blog de basquete e precisa desse tipo de interatividade e relacionamento para postar no blog. Em último lugar, para os seis jornalistas estão os usuários comuns que são usados, mas não com tanta frequência. Dessa forma, podemos concluir que houve a migração dos critérios do jornalismo clássico para o jornalismo feito no ciberespaço e principalmente na utilização dos sites de redes sociais.
Novas fontes velhos critérios?
Este cenário de multiplicação de difusores de informação altera a relação do jornalista com a fonte, visto que quaisquer usuários do ciberespaço e de sites de rede socais podem ser potenciais fontes de informação. Esta mesma multiplicação ajuda os jornalistas a rastrear dados importantes e significativos para a elaboração de matérias, pois tudo o que é postado no ciberespaço e nos sites de redes sociais ficam armazenados. Logo, este novo cenário beneficia a produção jornalista ao mesmo tempo em que complicam o seu trabalho devido ao maior número de informações, podendo prejudicar o tempo de apuração.
Se antes existia uma série de critérios na hora da escolha da fonte, agora não se tem nenhum que diga respeito à escolha dessas fontes nas redes sociais. E é por conta desta falta de critérios que, em alguns casos, passam a valer os antigos critérios nas novas ferramentas de busca de fontes de informação, o que faz com que tornemos à estaca zero. São os velhos métodos em um novo cenário.
Independente deste cenário, ainda pouco estudado e cercado de dúvidas, a rotina de trabalho do jornalista está sendo montada e é preciso documentar como ela está acontecendo e quais são os critérios que tem sido adotado para minimizar as falhas e melhorar a apuração. Realmente hoje qualquer pessoa pode ser fonte potencial para o jornalista, mas as redações ainda não têm confiança nem critérios de escolha que viabilizem o uso dessas fontes em matérias, exceto em casos fortemente repercutidos nesses espaços. Porém, o uso dessas redes sociais na Internet é ainda muito recente e há ainda muito para os jornalistas e suas redações evoluírem com a exploração dessa ferramenta. O que não se pode deixar acontecer é adotar os mesmos critérios e mesmo tipos de relacionamento num cenário completamente mais aberto e flexível que é o ciberespaço. E esta opção parece que está sendo a mais comumente aceita nas redações de jornais.
Referências
CAVRERA et al. “Métodos y técnicas de investigación para el estúdio de la profesión em las rutinas productivas em ciberperiodismo”. In: Metodologia para o Estudo dos Cibermeios: Estado da arte e perspectiva, Org. NOCI, J.G; PALACIOS. Salvador: EDUFBA, 2008.
MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade Beira Interior, 2002.Disponível aqui, acesso em: 26/06/2011.
RECUERO, Raquel. “Redes Sociais na Internet, Difusão de Informação e Jornalismo: Elementos para discussão”. In: SOSTER, Demétrio de Azeredo; FIRMINO, Fernando.(Org.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009.
TRAQUINA, Nelson. 2ª Parte: As Teorias. IN: TRAQUINA, Nelson (org.).Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias”. 2ª Ed. Lisboa: Ed. Vega, 1999.
TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Ed. Unisinus, 2003.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 5ª Ed. Lisboa: Ed. Editorial Presença, 1999.
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[Ana Paula Bessa é jornalista e trabalha como Consultora em Mídias Sociais no Grupo Máquina da Notícia. Esta pesquisa foi realizada enquanto cursava como aluno-especial a disciplina Jornalismo Digital do Mestrado em Comunicação Social na Universidade de Brasília (UnB)]