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Direito da Democracia: Desincompatibilização

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por Jules Queiroz

(advogado – atua na área de Direito Eleitoral)

Imagem: David Castillo Dominici

Um dos objetivos do Direito Eleitoral é impedir que o abuso do poder político interfira no resultado das eleições, em especial quando coloca candidatos em posições de vantagem em relação aos demais.

Não entendam mal: o poder político é um dado relevante e inafastável das eleições. Afinal, apesar da crescente judicialização do processo eleitoral, política ainda é política. Alianças, divergências e estruturas partidárias de poder, em tese, são instituições lícitas durante a eleição.

O que é vedado nas eleições é o abuso do poder político, ou seja, seu exercício fora dos limites estabelecidos pela lei e pela ética. É o desvio de finalidade do poder político. No Estado Democrático de Direito, todo poder é correlato a um dever e a um propósito. A utilização do poder fora do seu propósito é ilícita.

Em virtude da possibilidade de desvio do poder político essencialmente público é que existem as regras de desincompatibilização.

A Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, chamada Lei das Inelegibilidades, prevê que são inelegíveis para determinados cargos uma série de agentes públicos, caso não obedeçam aos prazos de desincompatibilização.

Há um sem-número de cargos que ensejam inelegibilidade. Estão elencados, para consulta do leitor, nos incisos II a VII do artigo 1o da Lei das Inelegibilidades. Entre outros, destacamos Magistrados, Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas, Membros do Ministério Público, agentes lançadores de tributos,  representantes de entidades de classe, prefeitos, governadores, Presidente da República (esses três exceto na hipótese de reeleição), dentre outros.

A ideia é impedir a possibilidade de um agente público se utilizar de sua posição ou até mesmo da visibilidade que ela enseja para obter vantagens indevidas em relação aos concorrentes. À conta do Erário, ressalte-se.

No ano corrente, teremos apenas eleições municipais, para prefeitos e vereadores.

São inelegíveis para o cargo de prefeito municipal os agentes públicos determinados pela lei, em regra, que não se afastarem até quatro meses da data do pleito. Assim, considerando que as eleições se darão no dia 7 de outubro, os agentes públicos deverão se desincompatibilizar até o dia 7 de junho.

Os servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, caso não incidam em nenhuma outra hipótese de desincompatibilização, somente terão que se afastar de seus cargos nos três meses anteriores ao pleito, ou seja, em 7 de julho.

Curiosamente, outro dia me deparei com a pergunta de uma jornalista, via Twitter, ao pré-candidato a prefeito de Mossoró/RN Josivan Barbosa, do PT, questionando se ele tinha desistido da candidatura a prefeito, posto que não tinha se afastado de seu cargo de Reitor da Universidade Federal Rural do Semiárido até 7 de abril.

No caso, deve-se notar que a inelegibilidade dessa espécie de agente público (reitor, i.e., diretor de autarquia ou fundação pública) , para o cargo de prefeito, só se dá nos quatro meses anteriores ao pleito, não nos seis. Trata-se de confusão da profissional jornalista entre os prazos de desincompatibilização de candidatos a prefeito com os de Presidente da República e governador.

Para cargos na Câmara Municipal, por outro lado, a desincompatibilização deve se dar realmente nos seis meses anteriores ao pleito, em 7 de junho.

Interessante notar que os vice-prefeitos, vice-governador e vice-Presidente podem se candidatar a outros cargos sem incorrer em inelegibilidade, desde que não tenham substituído o titular nos seis meses anteriores ao pleito. Apesar disso, no caso de candidatura ao cargo do titular, pode o vice substituir o prefeito nos seis meses anteriores ao pleito sem incorrer em inelegibilidade (TSE, Consulta no 689, Rel. Min. FERNANDO NEVES, DJ, Seção I, 14 dez. 2001, p. 205).

Essa lógica de afastamento de cargos para disputa de mandatos eletivos foi severamente maculada pela Emenda Constitucional no 16/1997. Esta foi a Emenda que permitiu a reeleição para o mesmo cargo em período subsequente do Presidente da República, dos governadores e prefeitos.

Se, de um lado, um mero servidor deve se afastar de seus afazeres comezinhos para evitar a visibilidade excessiva, agora o prefeito, o governador e o Presidente da República podem permanecer em seus cargos durante a disputa, favorecidos por todo o poder e visibilidade inerentes ao cargo.

Certo que existem medidas legais outras para evitar o abuso de poder (em especial as condutas vedadas a agentes públicos em campanha), mas é de se convir que a possibilidade de reeleição foi um golpe tormentoso na lógica do sistema de desincompatibilizações. Na verdade, em nome da continuidade da Administração, deu-se uma grande vantagem ao titular de mandato de chefe do Executivo.

De todo modo, uma dica aos pretensos candidatos: olho no calendário! Para ajudar no acompanhamento, sugiro esse link do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina que descreve os prazos de desincompatibilização em função do cargo ocupado e do mandato pretendido: http://www.tre-sc.gov.br/site/legislacao/normas-eleitorais/eleicoes-2012/prazos-de-desincompatibilizacao/index.html