Em todas as semanas temos algumas constantes universais a nos assaltar: a reclamação da segunda feira, o futebol na quarta, a alegria efusiva na sexta e a depressão no domingo. Há séculos tais acontecimentos se repetem no mundo, nos oferecendo a segurança de uma vida aparentemente normal e previsível
Eis que, nos tempos presentes, a semana ganhou um novo evento que vem mobilizando nossa atenção e dando bastante assunto para falar, principalmente para aqueles fiéis ocupantes das redes sociais. Não, não falo das operações da Polícia e do Ministério Público. Refiro-me aos julgamentos do plenário do Supremo Tribunal Federal transmitidos ao vivo para todo o país.
Tá, tudo bem, leitor chato e detalhista, nem toda semana temos os julgamentos que prendem nossa atenção e ganham espaço nos Trends Topics do Twitter. Mas é certo que com frequência cada vez maior as assentadas dos ministros da Corte têm ocupado o espaço público, antes resistente às discussões jurídicas envoltas em termos pomposos, notadamente por veicularem, hoje, temas polêmicos e que suscitam acalorados debates por terem reflexo nas nossas vidas e convicções, as ancestrais e as progressistas.
“Acalorado” é, na verdade, um eufemismo para a guerra que se trava no campo de batalha virtual entre os soldados entrincheirados com suas armas argumentativas sempre em punho para atacar o oponente que se coloca no campo oposto.
Valendo-se do escudo protetor da tela do computador ou do tablet, os combatentes não deixam passar nada em branco. A cada comentário do adversário, uma bala, ou uma resposta, direta ou indireta, vem prontamente e em igual ou maior força, mostrando que os bravos guerreiros estão realmente dispostos a fazer sua posição vencer e, mais, avançar rumo ao campo do inimigo.
O que é isto? É da mecânica da democracia? Talvez. É coisa nova? É certo que não. Mas a mim parece mais uma discussão de surdos, onde cada um expõe virulentamente suas razões para um opositor que, não ouvindo, faz a mesma coisa, deixando o debate ganhar ares de algazarra incompreensível, sendo ouvido ao longe apenas pelos transeuntes que, nada podendo entender dos argumentos misturados, e com medo da gritaria e da dúvida, se abstêm de participar daquele espetáculo grotesco, arrostando o mais solene e impetuoso desprezo pelos debatedores e mesmo pelas questões “debatidas”.
No final, só uma coisa é certa: as baixas não ultrapassam a marca de ZERO, ou seja, ninguém muda de opinião, mantendo incólumes os exércitos.
No fim da batalha eles permanecem sempre alertas para o próximo chamado do pregoeiro da Suprema Corte, que, na semana seguinte, os convocará para nova peleja no âmbito da guerra infinita que se trava desde que o primeiro homem achou de discordar de um igual e tentou convencê-lo de que estava certo, inaugurando, assim, a discórdia entre a raça humana, encarnada em Éris, a deusa grega da discórdia, que hoje em dia deve rir satisfeita do alto do seu assento no Olimpo, comemorando seu sucesso.
E não adianta fugir. Todos nós fazemos isso. Eu faço. Você, leitor, faz. Nossos amigos e nossos inimigos fazem, e até os intelectuais e os leigos também fazem. Por vezes estamos no mesmo lado, por vezes no lado contrário, e, por isso, é bom que se tenha, acima de tudo, respeito pelo “adversário” de momento, não o enxergando como alguém incapaz, ignorante e malvado pelo simples fato de não concordar com você, mas somente alguém que simplesmente não concorda com você. Afinal, a inteligência e a bondade são aferíveis objetivamente, e não relativamente, tipo: ah, concorda comigo? Você é um gênio e um benfeitor da humanidade! Não concorda? És um jumento fascista!
Não dá, né? A tão cobrada tolerância deve ser praticada principalmente com quem não concorda conosco, e não apenas com nossos amigos. Afinal, as ideias são traiçoeiras, de modo que não sabemos quando vamos descobrir que elas estão equivocadas e nós, por tabela, também.
Sobre essas ideias pretensiosamente definitivas, Machado de Assis, um mestre, nos dá seu testemunho:
“Trazia comigo na mala e nas algibeiras uma porção dessas idéias definitivas, e vivi assim, até o dia em que, ou por irreverência do espírito, ou por não ter mais nada que fazer, peguei de um quebra-nozes e comecei a ver o que havia dentro delas. Em algumas, quando não achei nada, achei um bicho feio e visguento”.
Tendo em vista a lição do Bruxo do Cosme Velho, repitam comigo: Tomado deste espírito, peço que venha o próximo julgamento do STF!