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A Ética e a Ausência de Deus

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Imagem: radiant guy

Há quem pense que deus é suficiente para fundamentar a Ética. Dizem, muitos citando Dostoiévski, que sem deus tudo é permitido. Nesse raciocínio, se temos uma Ética, então deus é obrigatório. Entendendo o raciocínio do ponto de vista Teísta, encontramos aí uma falsa dicotomia. Para os teístas, se Deus existe, temos fundamentada a Ética, e se Deus não existe, então não temos uma Ética. A presença ou não de uma Ética só se define pela presença ou não de um deus. É um erro tremendo pensar assim, pois a Ética é tão somente um princípio absoluto de equilíbrio entre liberdade e responsabilidade. Esse equilíbrio existe com ou sem um deus. Eu posso crer em deus e equilibrar de forma coerente ambos os pólos, como posso não crer em deus e apresentar o mesmo nível de equilíbrio.

O problema é que, para a humanidade, o conceito de deus é relativo, pois cada cultura dará a ele um conjunto distinto de atributos. Por outro lado, um pouco mais de 2 bilhões de seres humanos vive relativamente bem e de forma ética sem a presença de um deus. São, em sua maioria, praticantes de tradições espirituais como o Budismo, o Confucionismo e o Taoísmo, uma boa parte dos praticantes do Espiritismo e um número considerável de ateus e a-religiosos. Em resumo, são tradições espirituais com forte apelo ético, mas com diferentes níveis de apelo ao sobrenatural e à presença de um deus criador.

Daí que pergunto ao leitor: deuses e religiões são necessários para estabelecer as bases fundamentais de uma ética? Ser ateu é suficiente para que alguém saia na rua fazendo o que quer sem ligar para as consequências? Se Deus não fundamenta a Ética para essas tradições, o que fundamenta?

Em primeiro lugar, é possível, mas não necessário, fundamentar a Ética em um deus. Torná-lo fundamento é tornar a Ética dependente dos atributos que uma religião cria em torno dele. Como exemplo, temos a frase “Deus é amor”, mas a noção de amor na Grécia Antiga no Brasil Moderno são diferentes, o que leva a fundamentar a Ética, no fim, em deuses diferentes. Isso mostra não somente que é desnecessário, como até perigoso, fundamentar a Ética nos atributos de qualquer Deus.

O que existe é um certo preconceito sobre o que seria um ateu. Todos pensam em Ateus como a-religiosos (apesar de muitas “religiões” serem ateístas), anti-Éticos (muitos ajudaram a fundamentar a Declaração Universal dos Direitos Humanos) e boêmios (muitos são declaradamente abstêmicos). Geralmente, os ateus são ótimos pais, bons cidadãos e costumam ser mais solidários e menos individualistas.

Tradições como o Taoísmo e o Budismo, por exemplo, conseguem fundamentar uma Ética fechada, quase totalmente isenta de sobrenaturalismo ou conceitos de pós-morte, e isso na ausência de qualquer deus ou entidade criadora. Na ausência de deus, essas tradições recorrem no simples valor positivo absoluto de todas as coisas, com ênfase nos seres sencientes. A ênfase deixa de ser a vontade de um deus ou deuses e passa a ser a responsabilidade de cada indivíduo para com o todo. Depois de vários séculos, essas tradições aprenderam que fundamentar princípios absolutos em divindades os torna relativos, e é perigoso, pois fere diretamente a liberdade do outro de possuir seus próprios princípios. Assim, mesmo que um budista creia em deus, ele nunca fundamentará seu viver Ético à vontade divina.

Podemos afirmar que, ao contrário da citação deslocada que fazem de Dostoiévski, se Deus não existe, apenas a Ética fundamentada em sua existência é que sofrerá o prejuízo ao cair do pedestal, enquanto que a Ética independente de sua existência, que nunca deixou de chafurdar-se na lama, permanecerá incólume por séculos e séculos.