Search
Close this search box.

Relato sobre Natown

Compartilhar conteúdo:

Por Jean Sartier 

Imagem: Jean Sartier

A exposição Natown – Narrativas sobre o que nunca foi – As pessoas no salão de jantar é uma das exposições coletivas mais importantes nesses últimos quatro anos em Natal, acho que só perde mesmo para a última edição do Salão de Artes Visuais coordenado por Sânzia Pinheiro, que foi excepcional. Escrevo essa frase coma convicção e honra ser integrante. Contudo, minha análise se deve ao fato de que é a primeira ação concreta de artistas plásticos/visuais indignados com todo o descaso e indiferença da indi(gestão) da prefeita Micarla de Souza com a área artístico-cultural da cidade, em especial com o Salão e a Fundação Cultural Capitania das Artes, Funcarte.

Pela primeira vez, estudantes de artes visuais e artistas convidados se mobilizaram para colocar seus sentidos, ações e trabalhos em prol de uma exposição-protesto ao descaso com o Salão Municipal e à própria gestão pública, ainda que em seu último ano de mandato. Antes tarde do que nunca!

Eu, como artista, recusei-me a inscrever alguma obra no Salão de Artes Visuais da Fundação Cultural Capitania das Artes. Recusei-me como recuso-me a colocar os pés lá desde a saída de Sânzia, do setor de artes visuais, no primeiro ano daqueles que se configurariam como a maior tragédia de gestão pública em Natal. Desse tempo até hoje foram noticiadas uma sucessão de erros, equívocos e incompetências de todos os tipos sem falar nos decadentes trabalhos apresentados durante as festividades de Natal, São João etc.

Ao ser convidado para participar da exposição senti a dimensão dessa responsabilidade de representar e compartilhar uma classe artística e população inconformadas com a insignificância que a atual gestão dedica a uma instituição que tem (ou tinha) uma força local nas artes, a Funcarte.

Neste contexto, participar significa contribuir para a transformação qualitativa do pensamento artístico alterando a acomodada cena local, salvo apenas por ações independentes e empreendedoras de alguns artistas e espaços culturais.

Sob o ponto de vista artístico, as obras são um belo manifesto que integra, de certa forma, o grande “Fora Micarla”.

Mesmo que um visitante desavisado entre na Galeria do Dearte e se concentre apenas numa fruição estética, afinal as obras não são panfletárias (a adesão a exposição, sim) – fazendo com que até alguns desistissem de expor na última semana – lá está plantado a iniciativa de se opor a uma edição de um salão umedecido pela decadência da gestão que vi refletida na obra de Jota Mombaça quando na abertura criou uma instalação com objetos e uma geladeira sustentando uma paisagem de lixo, para mim, a paisagem de Natal imersa no lixo.

Neste movimento, propus uma obra intitulada (E faz falta!(?)) na qual fotografei o prédio da Funcarte e o transformei em um quebra-cabeças com 160 peças na qual cada visitante deve retirar uma peça e levá-la consigo. Tal prática me remete a quatro considerações iniciais que modelaram o conceito da obra: 1 – propor uma reflexão sobre o sentimento de pertencimento da Funcarte em relação a cada um; 2 – Ao caracterizar o vazio na imagem (na desconstrução do prédio peça-à-peça) gerar um questionamento político sobre sua funcionalidade nessa gestão; 3 – provocar o público em agir em defesa de uma política cultural na cidade para a próxima gestão, uma vez que dessa não se espera mais nada, no entanto sentimos na pele que o voto equivocado gerou prejuízos enormes  – inclusive e talvez o maior deles na própria estima do natalense em relação a sua cidade e por último, através do título atordoante, expor o conflito de que temos uma certa indiferença ao agir de forma política cotidianamente, entretanto somos uma força imensa quando mobilizados. O ‘E faz falta!(?)’ ao mesmo tempo que instiga também ao pertencimento, evoca a memória e sugere uma ação e não uma inércia.

Durante a abertura do salão da Funcarte, que nem mesmo aconteceu em suas dependências, mas no prédio do Museu de Cultura Popular, na Ribeira; artistas realizaram o ato de espalhar pedaços de papel higiênico no espaço e assim, simbolicamente, protestaram contra essa grande maquiagem que estão oferecendo à população. Isso sim foi uma efervescência!

Dois artistas tiveram uma ação decisiva. Ilkes Rosemir – que teve sua obra selecionada e ‘danificada’ (seriam a retirada das camisinhas na obra de Ilkes um dano no manuseio ou foi uma censura?) e Dani Catão, por fim, legitimou o maior ato, a retirada de sua obra daquele espaço expositivo do Museu de Cultura Popular. Os artistas levaram suas obras para a exposição Natown – Narrativas sobre o que nunca foi – As pessoas no salão de jantar e lá permanecem até o dia 02 de Maio.

Dessa forma, sem dúvida alguma, esta exposição entra para a história das artes visuais de nossa cidade, de nosso estado, reestabelecendo que a arte também é uma prática social delineando novamente o agir criticamente e que não estamos aqui a passeio nem para deixar como legado – ao invés da prefeita – uma narrativa que nunca foi e sentar-se tranquilamente à mesa do salão de jantar.