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Meridiano de Sangue de Cormac McCarthy

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Sem dúvida, Meridiano de Sangue ou O Rubor Crepuscular do Oeste (1985) é um livro que deve ser lido por aqueles que apreciam a literatura. Por causa dele, seu autor foi comparado a Melville e Faulkner. A obra também foi considerada por Harold Bloom “o último western”¹ e a “a última dramatização da violência”, algo talvez impossível de ser ultrapassado por escritores futuros, grau de criação que nem o próprio autor alcançou novamente em outras obras. Não é sem razão que o americano Cormac McCarthy, hoje aos 78 anos, está no rol dos romancistas consagrados da literatura contemporânea.

Em tons de vermelho e negro, Meridiano de Sangue conta a história de um grupo de homens que cruza a região de fronteiras ainda indefinidas entre o Texas e o México, durante o século XIX. Com a missão de escalpelar índios, deixam um rastro de morte por onde passam. Da andança desses homens nascem belas imagens poéticas, surreais e aterradoras. Como se estivesse nos mostrando um vídeo em câmera lenta, McCarthy aproxima nossos olhos para bem perto da carnificina e da violência. Causa-nos horror, nojo, nos faz chorar, querer abandonar o livro. Arrisco até a dizer que nunca havia visto nada igual, nem mesmo em filmes. No entanto, sejamos fortes, pois há uma razão de ser para tamanha violência, ela não é gratuita na obra.

Meridiano de Sangue foi baseado em fatos reais, mas, de maneira alguma, deve ser considerado um romance histórico. O grupo realmente existiu, sendo liderado por John Joel Glanton, e, na obra, as principais figuras são o Kid e o Juiz Holden. Kid é o único que “tem um lugar com defeito no tecido do seu coração”, só ele “reservava um cantinho da alma para mostrar clemência pelos pagãos”². O Juiz, homem de mais de dois metros de altura, albino e sem um pelo no corpo, é a “violência encarnada”¹. Figura mítica que pode até ser examinada, mas cuja natureza permanece inexplicável – “fossem quais fossem seus antecedentes ele era algo inteiramente diverso da somatória total e tampouco existia algum sistema pelo qual decompô-lo até suas origens (…) quem quer que se propusesse a escarafunchar sua história através de sabe-se lá que emaranhado de ventres e escriturações fatalmente acabaria ofuscado às margens de um vazio sem término ou origem”².

O Juiz Holden não envelhece, nunca dorme e detém conhecimentos insondáveis. Ele é a essência da obra, é o “profeta da guerra”¹. Ele diz ser a guerra “um jogo supremo”, o qual põe “à prova a vontade de um indivíduo e a vontade do outro no contexto dessa vontade mais ampla que, ao ligar as deles, é, por conseguinte, forçada a selecionar”². E ainda afirma: “o que une os homens não é a partilha do pão, mas a partilha dos inimigos (…) acaso não é sangue o agente aglutinador na argamassa que dá a liga entre nós?”². Holden é aquele que lidera a dança macabra. Ele dança nu, tocando violino e dando piruetas, diz que nunca morrerá. Somos, assim, fadados a viver sempre na guerra. Mas, no epílogo, há mais alguém, talvez um Prometeu que possa representar um alento perante a terrível figura do Juiz.

De linguagem mais rebuscada e sendo uma “carnificina dantesca”², não posso negar que Meridiano de Sangue seja sim uma leitura mais difícil. Contudo, para os que conseguirem ultrapassar essas dificuldades, ele garante enorme recompensa. Afinal, do horror e do sangue também desabrocha o poético. Por fim, para o leitor mais sensível, apenas um conselho: Meridiano de Sangue em doses homeopáticas.

1 BLOOM, Harold. Como e Por Que Ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

2 McCARTHY, Cormac. Meridiano de Sangue ou Rubor Crepuscular do Oeste. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

 

Fotos: Banco de imagens Google..