As eleições na Venezuela têm pautado as agendas dos debates internacionais e se transformando em múltiplas disputas e controvérsias. A reeleição de Nicolás Maduro, proclamada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um órgão amplamente controlado pelo chavismo, tem sido marcada por acusações de fraude e manipulação eleitoral, tanto por parte da oposição quanto da comunidade internacional. Países da União Europeia, como Itália, França, Alemanha, Holanda, Polônia, Portugal e Espanha, pediram a publicação das atas de votação para garantir a transparência do processo. No entanto, até o momento, esses dados não foram divulgados, levantando suspeitas sobre a integridade do resultado eleitoral.
Declarações de Josep Borrell (Alto representante da União Europeira para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança), destacam a determinação do povo venezuelano em votar pacificamente e a participação significativa, mas afirma que os resultados das eleições não podem ser considerados representativos sem a publicação e verificação dos registros oficiais de votação, apontando que relatórios de observadores indicaram falhas e irregularidades significativas, e, nesse sentido, a UE apela à máxima transparência do Conselho Eleitoral Venezuelano e à investigação de queixas eleitorais.
A perpetuação de Maduro no poder reflete uma longa trajetória de domínio das instituições venezuelanas. Desde que assumiu a presidência após a morte de Hugo Chávez em 2013, Maduro tem consolidado seu controle autoritário e ditatorial sobre o CNE, o Ministério Público e as Forças Armadas, utilizando essas instituições para reprimir a oposição, manipular os resultados eleitorais, controlar a comunicação social e se perpetuar no poder. Esta estratégia não é nova; Chávez já havia iniciado esse processo de centralização de poder, desmontando progressivamente a estrutura democrática do país. Maduro apenas intensificou essas práticas, garantindo que todas as esferas do governo estivessem alinhadas e submissas aos interesses.
Para aqueles que acham que a crise está a começar, a crise na Venezuela não é recente. Desde 1999, com a ascensão de Hugo Chávez ao poder, o país tem vivido um processo contínuo de erosão democrática. Chávez implementou um modelo de governo autoritário, usando o petróleo como instrumento de poder e controle social. No entanto, foi durante a presidência de Maduro que a situação se deteriorou drasticamente, com eleições fraudulentas, repressão violenta aos protestos, perseguição políticas aos opositores, controle de acessos a internet no país e uma crise econômica sem precedentes. Em 2017, o país já enfrentava uma inflação descontrolada e um desabastecimento crônico, uma situação que só se agravou com o tempo.
Os antecedentes das eleições venezuelanas indicavam problemas profundos, especialmente no que diz respeito ao voto dos migrantes no exterior. Milhões de venezuelanos que emigraram para a América do Sul e Europa enfrentaram uma série de obstáculos burocráticos ao tentar se registrar para votar. Apesar de mais da metade dos quase 8 milhões de emigrantes estarem em idade de votar, os números oficiais mostram que menos de 68 mil conseguiram se registrar (0,8%). Grupos de defesa apontaram dificuldades que incluíam consulados fechados, pedidos de documentos desnecessários e novos procedimentos burocráticos. No Uruguai, por exemplo, exigia-se uma autorização de residência válida por 5 anos, enquanto as autorizações iniciais são concedidas apenas por 3 anos. Na Espanha, a exigência de mostrar 12 meses de permissão de residência excluiu muitos, pois os residentes por razões humanitárias renovam suas autorizações anualmente.
Outra manobra de Maduro às vésperas das eleições, foi o encerramento da fronteira com o Brasil, complicando ainda mais a situação dos migrantes venezuelanos que se encontravam em Roraima. A guarda venezuelana bloqueou a faixa de fronteira, forçando muitos a recorrer a rotas clandestinas, para poder votar. Essa ação dificultou o exercício do direito ao voto para inúmeros cidadãos que, já em situação de vulnerabilidade, enfrentaram mais uma barreira imposta pelo regime.
Além disso, a retirada do convite aos observadores eleitorais da União Europeia pelo presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) foi um sinal claro da falta de transparência e integridade do processo eleitoral. O presidente do CNE venezuelano apontou que os observadores da UE não eram “pessoas dignas” de entrar no país enquanto mantivessem sanções, chamando-as de “colonialistas” e “genocidas”. Aliás, por aqui na américa latina, quando existe um debate entre um cidadão latino-americano e um europeu, perante falta de argumentos, é muito fácil surgir uma posição xenófoba e uma acusação colonialista. Essa atitude isolacionista e defensiva do CNE levantou sérias preocupações sobre a lisura das eleições e a vontade de permitir uma fiscalização internacional imparcial, crucial para assegurar a legitimidade do pleito.
No entanto, apesar de imensas manobras e ações obscuras no processo eleitoral na Venezuela, alguns países reconhecem a vitória de Maduro, como Rússia, China, Irã e Nicarágua. Questiono a oportunidade e a legitimidade desses países que são conhecidos por suas fragilidades democráticas e, em alguns casos, por serem claras ditaduras. Na Rússia, o presidente Vladimir Putin tem mantido um controle rígido sobre o processo eleitoral e a mídia, perseguindo e matando opositores para garantir sua perpetuação no poder. Na China, o Partido Comunista, liderado por Xi Jinping, não permite eleições livres e justas, controlando todas as esferas do governo e da sociedade. O Irã, sob o comando do aiatolá Ali Khamenei, também não realiza eleições livres, com candidatos sendo rigorosamente selecionados pelo regime. A Nicarágua, liderada por Daniel Ortega, tem seguido um caminho semelhante ao da Venezuela, com eleições manipuladas, repreendendo, perseguindo e prendendo opositores.
Na tentativa de acompanhar o processo eleitoral na Venezuela, a organização sem fins lucrativos Centro Carter, ligada ao ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter (1977 a 1981), foi um dos poucos observadores independentes presentes no país. Em sua declaração oficial, o Centro Carter concluiu que o pleito não foi democrático, citando várias falhas críticas. Entre os principais argumentos, destacou-se a falta de transparência no resultado devido à não divulgação das atas eleitorais. A entidade também apontou outros fatores comprometedoras, como o curto prazo para o registro de candidatos e as barreiras significativas para a inscrição de venezuelanos no exterior, incluindo o fechamento das fronteiras do país. Além disso, o Centro Carter destacou a perseguição a opositores, exemplificada pela cassação dos direitos políticos de María Corina Machado e a impossibilidade de sua substituta, Corina Yoris, concluir o registro de sua candidatura.
O Centro Carter sublinhou que não pôde verificar ou corroborar a autenticidade dos resultados das eleições presidenciais anunciados pelo CNE da Venezuela. A falta de anúncio dos resultados discriminados por mesa eleitoral foi considerada uma grave violação dos princípios eleitorais. Essa falta de transparência e a série de irregularidades observadas reforçam a conclusão de que o processo eleitoral venezuelano não atendeu aos padrões democráticos internacionais, comprometendo a credibilidade e legitimidade do pleito. O Centro indica ainda a presença de um ambiente de intimidação, repressão e manipulação institucional que evidencia a profunda crise democrática pela qual a Venezuela passa.
O que a situação da Venezuela nos pode ensinar? A situação na Venezuela é um alerta para outras nações onde movimentos políticos, de forma clara ou sub-reptícia, tentam dominar órgãos de justiça e outras instituições, colocando em risco a democracia. Em países como a Polônia e a Hungria, governos têm tentado minar a independência do judiciário e controlar a mídia, o que representa uma ameaça significativa à estrutura democrática. A captura das instituições estatais por partidos ou líderes autoritários é um sinal claro de retrocesso democrático, algo que deve ser combatido vigorosamente por todas as nações comprometidas com a liberdade e a justiça. Atenção, Brasil, com as tentativas delirantes de intromissão política no poder judiciário.
A insatisfação dos venezuelanos é tão profunda que leva o povo a emigrar, principalmente, pelas profundos problemas econômicos e políticos. Desde 2017, cerca de um milhão de venezuelanos cruzaram a fronteira para o Brasil, buscando melhores condições de vida. A crise econômica é marcada por uma inflação desenfreada e desabastecimento. A produção de petróleo, que em 1998 era de três milhões de barris diários, caiu para 1,5 milhão. Embora o governo de Maduro pretenda culpar as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, os problemas começaram muito antes disso. Em 2007, já havia um desabastecimento significativo, com produtos básicos desaparecendo das prateleiras dos supermercados. A crise econômica se aprofundou ao longo dos anos, culminando em uma hiperinflação e uma contração severa do Produto Interno Bruto.
Em síntese, a atual situação crítica na Venezuela é agravou-se pela manipulação contínua dos resultados eleitorais. A oposição, liderada por María Corina Machado, criou um portal para divulgar atas que, segundo eles, mostram a vitória de Edmundo González com 67% dos votos, contra 30% de Maduro. No entanto, o CNE, controlado pelo chavismo, proclamou Maduro vencedor com 51,2% dos votos. A falta de transparência, o afastamento de observadores internacionais e a repressão violenta contra os opositores são sintomas de um regime que se recusa a ceder. Perante esse cenário, a comunidade internacional está dividida; enquanto alguns países reconhecem a vitória de González, outros continuam a apoiar Maduro.
O futuro da Venezuela depende não apenas da resistência interna, mas também da pressão e apoio da comunidade global para restaurar a democracia e a justiça no país. Mas, principalmente, para garantir liberdade ao povo da Venezuela.
Se julgamos que a situação de eleições pouco transparentes é exclusiva da Venezuela, estamos completamente enganados. Essa dura realidade pode ser observada em diversos outros países ao redor do mundo, exigindo atenção, debate e ação da comunidade internacional. Em Belarus, as eleições presidenciais de 2020 foram amplamente criticadas por fraude e repressão, com o presidente Alexander Lukashenko, no poder desde 1994, sendo acusado de manipular os resultados para se manter no poder. Na Rússia, as eleições têm sido marcadas por restrições à oposição e controle rígido da mídia por parte do governo de Vladimir Putin. No continente africano, países como Zimbábue e Uganda enfrentam desafios semelhantes. Em Zimbábue, as eleições de 2018 foram criticadas por irregularidades e violência, com o presidente Emmerson Mnangagwa acusado de fraude eleitoral. Em Uganda, as eleições de 2021 viram o presidente Yoweri Museveni, no poder desde 1986, reprimir violentamente a oposição e manipular o processo eleitoral. Esses exemplos sublinham a necessidade de vigilância e intervenção para garantir a integridade democrática global.
Como afirmou Thomas Jefferson “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. As eleições na Venezuela e em outros países sublinham a importância de uma vigilância constante e do compromisso do povo em defender a integridade democrática. Somente através da participação ativa dos cidadãos, a democracia pode florescer e garantir justiça e liberdade para todos.