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Fake News e Desinformação: ameaça internacional à democracia e aos direitos humanos

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Miguel Dias, professor de Relações Internacionais.

No turbilhão da era digital, a informação se propaga à velocidade da luz, moldando nossa percepção do mundo. No entanto, esse turbilhão de dados nem sempre é confiável. Fake news e desinformação se infiltram como vírus, corroendo as bases da sociedade, da democracia e dos direitos humanos. A desinformação, como um camaleão, assume diversas formas: notícias falsas fabricadas para infuenciar, boatos distorcidos para manipular e teorias da conspiração tecidas para semear discórdia e conflitos. Seus efeitos são devastadores.

As fake news têm sido usadas para minar processos democráticos, influenciar eleições e corroer a confiança nas instituições públicas. Governos e atores mal-intencionados exploram plataformas digitais para disseminar desinformação, prejudicando a integridade dos sistemas democráticos. A interferência russa nas eleições americanas de 2016 é um exemplo claro, onde uma avalanche de notícias falsas e propaganda nas redes sociais tentou manipular a opinião pública e desestabilizar o processo eleitoral. A desinformação mina a confiança nas instituições democráticas, lançando dúvidas sobre a legitimidade de eleições, a imparcialidade da justiça e a competência dos governos. Quando a população começa a questionar a veracidade de informações oficiais, o tecido social se desgasta, e as instituições perdem a capacidade de governar de maneira eficaz. A confiança, um elemento essencial para a coesão social e a governabilidade, torna-se um recurso escasso.

A proliferação de informações falsas exacerba as divisões sociais, criando bolhas de informação onde o diálogo construtivo se torna inviável e a violência encontra terreno fértil. As redes sociais, ao promoverem conteúdo que reforça as crenças preexistentes dos usuários, contribuem para a criação de comunidades segregadas, onde a empatia e o entendimento mútuo são substituídos pela hostilidade e pela intolerância. A desinformação sobre questões de saúde, como vacinas e tratamentos médicos, pode ter consequências graves, colocando em risco a vida de pessoas e atrasando o combate a doenças. Durante a pandemia de COVID-19, a disseminação de notícias falsas sobre a eficácia das vacinas e os supostos tratamentos milagrosos comprometeu seriamente os esforços globais de imunização, resultando em milhares de mortes evitáveis. Infelizmente, a esse nível, a desinformação no Brasil foi um dos piores exemplos na comunidade internacional.

Fake news podem ainda afetar os mercados financeiros, causando volatilidade e prejudicando investidores e empresas. Rumores infundados sobre a saúde financeira de uma empresa ou a iminência de uma crise econômica podem desencadear pânicos no mercado, levando a perdas financeiras significativas e instabilidade econômica.

A desinformação é um fenômeno complexo que apresenta riscos significativos para a sociedade, a democracia e os direitos humanos. Um dos aspectos mais preocupantes é a utilização de inteligência artificial para a produção e divulgação de desinformação em larga escala. Ferramentas avançadas permitem a criação de deepfakes e a automação de campanhas de desinformação, dificultando ainda mais a distinção entre o real e o falso.

Os tentáculos da desinformação se estendem para além do mundo virtual, impactando o curso da história. Em 2016, a disseminação de notícias falsas, muitas delas fabricadas por trolls russos, visava influenciar eleitores indecisos e semear desconfiança no sistema eleitoral americano. Plataformas como Facebook e Twitter foram inundadas por propaganda enganosa, atingindo milhões de eleitores com informações distorcidas. Mais tarde, em 2021, a invasão do Capitólio dos Estados Unidos foi alimentada por teorias conspiratórias disseminadas online. Grupos extremistas, convencidos de que a eleição presidencial havia sido fraudada, organizaram-se através de plataformas digitais para tomar o Capitólio, resultando em violência e caos. Esta insurreição foi o ápice de uma campanha massiva de desinformação que corroeu a confiança no processo eleitoral e nas instituições democráticas.

No Reino Unido, durante o referendo sobre a saída da União Europeia, circularam informações enganosas sobre as consequências do Brexit. Promessas irreais e estatísticas falsas foram disseminadas por campanhas pró-Brexit, influenciando decisivamente a opinião pública. A narrativa de que sair da UE resultaria em um aumento significativo de investimentos na saúde pública foi uma das muitas falsidades que moldaram o voto dos eleitores, levando a uma decisão histórica baseada em premissas falaciosas.

No cenário atual de desinformação global, os protagonistas da criação de fake news emergem como figuras centrais na manipulação da opinião pública e na desestabilização das democracias. No livro “Os Engenheiros do Caos: Como as Fake News, as Teorias da Conspiração e os Algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições”, Giuliano da Empoli explora essa dinâmica complexa e sombria. Segundo da Empoli, esses “Engenheiros do Caos” são indivíduos e grupos que, aproveitando-se das vulnerabilidades das plataformas digitais, conseguem manipular grandes massas de pessoas através da disseminação de desinformação estratégica. Eles operam com uma precisão cirúrgica, utilizando algoritmos para maximizar o alcance e o impacto de suas mensagens, promovendo um cenário de caos controlado que favorece seus objetivos políticos e econômicos.

Giuliano da Empoli destaca o “Movimento 5 Estrelas” na Itália, liderado pelo comediante Beppe Grillo, como um exemplo paradigmático do uso de fake news para fins políticos. Grillo e seus seguidores argumentavam que a política tradicional estava desconectada das necessidades do povo, e que era necessário um novo tipo de engajamento, mais direto e autêntico. Utilizando a internet como principal ferramenta, o movimento espalhou suas mensagens sensacionalistas e teorias da conspiração. Esse método, que depende da viralidade de notícias trágicas e alarmantes, mostrou-se extremamente eficaz: estudos indicam que uma notícia trágica é até 70% mais compartilhada do que uma notícia positiva. A estratégia de disseminar caos e desconfiança permitiu ao “Movimento 5 Estrelas” mobilizar rapidamente uma base de apoio significativa.

Os Engenheiros do Caos, destruídos pelo mundo, não são apenas políticos e ativistas; são também ideólogos, cientistas de dados e especialistas em Big Data. No mundo de Donald Trump (EUA), Boris Johnson (Reino Unido), Matteo Salvini (Itália) e Jair Bolsonaro (Brasil), cada dia traz sua própria gafe, polêmica ou golpe brilhante. Contudo, por trás dessas manifestações desenfreadas do carnaval populista, está o trabalho árduo de uma equipe de estrategistas que utiliza sofisticadas ferramentas de análise de dados para orientar suas campanhas. Esses especialistas em Big Data analisam comportamentos e preferências dos eleitores, criando campanhas de desinformação altamente segmentadas e personalizadas que maximizam o impacto das mensagens. Sem esse suporte técnico e científico, muitos desses líderes populistas dificilmente teriam alcançado o poder.

Os interesses por trás da disseminação de fake news são variados, mas convergem em torno de objetivos comuns: poder, controle e influência. Esses Engenheiros do Caos exploram a ignorância, o medo e a desconfiança para criar divisões e fortalecer posições políticas ou ideológicas. Manipulam emoções para gerar um ambiente de caos e incerteza, no qual se torna mais fácil controlar as narrativas e influenciar decisões eleitorais. A lógica por trás dessa estratégia é simples: em tempos de desordem, as pessoas tendem a procurar soluções fáceis e líderes fortes, criando um terreno fértil para demagogos e autocratas. A utilização sistemática de fake news e teorias da conspiração permite a esses líderes moldar a realidade de acordo com seus interesses, disseminando desconfiança nas instituições democráticas e polarizando a sociedade.

Em solo brasileiro, a desinformação se tornou uma arma poderosa nas mãos de grupos mal-intencionados e junto de uma população que se alimenta de informações superficiais. Durante a pandemia de COVID-19, notícias falsas sobre a eficácia das vacinas colocaram em risco a saúde da população, atrasaram a imunização e mataram muitos cidadãos. Rumores infundados sobre efeitos colaterais das vacinas, espalhados por redes sociais e aplicativos de mensagens, semearam o medo e a desconfiança, resultando em uma adesão vacinal abaixo do esperado em muitas regiões. Nas eleições de 2022, a disseminação de boatos e ataques virtuais contra candidatos gerou um clima de medo e insegurança. Campanhas de desinformação, muitas vezes financiadas por grupos políticos e econômicos, utilizaram deepfakes e outras tecnologias para fabricar escândalos e difamar adversários. Esse avalanche de notícias falsas não apenas desvirtuou o debate político, mas também desestabilizou a confiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral como um todo. A proliferação de fake news no Brasil atingiu um nível alarmante, minando a credibilidade das instituições democráticas e polarizando a sociedade de maneira profunda. As redes sociais, particularmente o WhatsApp, tornaram-se o principal veículo para a disseminação de desinformação, alcançando milhões de brasileiros com mensagens enganosas e teorias conspiratórias.

Combater a desinformação é um desafio multifacetado que exige o engajamento de diversos setores da sociedade. Promover a alfabetização midiática para que os cidadãos possam discernir entre informações verdadeiras e falsas é essencial. Capacitar as pessoas, desde a infância, a questionar e verificar as fontes das notícias que consomem deve ser uma prioridade. As plataformas digitais devem implementar medidas mais rigorosas para identificar e remover conteúdo falso, além de promover a educação midiática entre seus usuários. A responsabilidade dessas empresas é crucial para mitigar a disseminação de fake news. Os governos podem fortalecer a legislação contra a disseminação de fake news e investir em campanhas de conscientização sobre a importância da verificação de informações. É fundamental criar regulamentações que combatam a disseminação de desinformação sem comprometer a liberdade de expressão, uma tarefa delicada, mas essencial para a manutenção da democracia. A educação formal deve incluir o ensino crítico da mídia, capacitando os alunos para discernir entre informações confiáveis e conteúdo enganoso. Esta formação crítica deve ser parte integrante do currículo escolar, preparando futuras gerações para navegar no complexo ecossistema informativo da era digital. Cada indivíduo tem o papel fundamental de se tornar um consumidor crítico de informação, verificando a fonte das notícias antes de compartilhá-las e buscando fontes confiáveis. A responsabilidade pessoal na luta contra a desinformação não pode ser subestimada.

A luta contra a desinformação é uma batalha pela verdade, pela democracia e pelos direitos humanos. Através da ação conjunta de governos, empresas, instituições de ensino e cidadãos, podemos construir um ambiente digital mais seguro e responsável, onde a informação seja um instrumento de conhecimento e não de manipulação. O futuro da nossa sociedade depende disso. A era digital trouxe inúmeros benefícios, mas também desafios monumentais. A desinformação, com seu poder de destruir a confiança e polarizar a sociedade, é um dos mais perigosos. Ignorar este problema ou tratá-lo com superficialidade é um risco que não podemos correr. Precisamos de um compromisso coletivo e de estratégias robustas para defender a verdade, proteger a democracia e garantir que os direitos humanos prevaleçam. Se falharmos, as consequências serão devastadoras e irreversíveis. A luta pela integridade da informação é, em última análise, a luta pela essência da nossa civilização.