O chamado “escândalo dos precatórios” do TJ/RN, montado supostamente por funcionários do judiciário (técnicos, juízes e desembargadores) para desviar recursos do setor de pagamento de precatórios daquele Tribunal, vem deixando claro que a percepção alimentada pela população de que o legislativo é o poder mais corrupto não tem lá tanto fundo de verdade assim (pesquisa publicada pelo livro “Corrupção e sistema político no Brasil” de Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras).
A escandalização midiática da política serve para deslegitimar poderes que surgiram com a democracia. A casa da federação e do povo, senado e câmara, respectivamente, se quisermos inverter a lógica e comparando com o judiciário, tem suas atuações bem mais rotineiramente devassadas. E como os casos de corrupção só tendem a surgir nos espaços em que existem instituições fiscalizatórias, o legislativo acaba ganhando de lavada no quesito “robalheira” (como um bom moralista diria) do judiciário, este último, reduto de uma nobreza de estado, como disse certa vez o sociólogo francês Pierre Bourdieu, sempre fechado.
Paradoxalmente, o escândalo do precatório coincidiu com a gritaria dos desembargadores, que alegavam que o TJ/RN recebia poucos recursos e que era necessário mais. O problema é que, assim como as prefeituras do interior, que sempre reclamam da queda do FPM (fundo de participação dos municípios), mas não deixam de promover festas milionárias, o judiciário nunca se preocupou em contrair legitimidade e empregar processos de transparência no uso do seu orçamento (portal da transparência, mecanismos participativos e fiscalizatórios promovidos em conjunto com a sociedade civil, etc). O poder representado por uma balança bem aferida, pedia simplesmente um cheque em branco. Algo difícil de engolir.
ILAÇÕES
A presidente do tribunal de justiça do RN, Judite Nunes, foi citada pela técnica Carla Ubarana, uma das principais articuladoras do esquema é réu confessa, como uma profissional “omissa”. Pareceu vingança. Até porque foi a desembargadora quem denunciou e abriu investigação sobre as irregularidades.
A presidente do tribunal assinou autorizações de pagamento irregulares, o que alega ter feito confiando em sua funcionária (Carla Ubarana). Justificativa também plausível. Se for ler tudo que passa pelas suas mãos, o presidente de um tribunal não fará mais nada. Acreditar em sua equipe não é apenas necessário, como também administrativamente viabilizador de práticas mais céleres.
Agora, se fosse um deputado estadual, ou um prefeito, será que a sociedade (imprensa, o próprio judiciário, etc) teria o mesmo zelo? Ou, independentemente de qualquer coisa, já iria condenar moralmente o político?
Falo tudo isso, não para suscitar qualquer tipo de dúvida sobre a conduta da presidente, mas para mostrar que o mesmo tratamento, tratamento este adequado (todo mundo é inocente até que se prove o contrário), muitas vezes, não é dado a um representante eleito pelo povo.
Lula e FHC, apenas para ficar nos casos mais conhecidos, foram acusados de corrupção por terem assinado determinados papeis, também confiando em sua equipe. Se um presidente de um tribunal não consegue ler tudo o que passa pelas suas mãos, imagine um presidente da república.
Político não é mais nem menos naturalmente corrupto do que qualquer outro cidadão. Até porque ele foi criado em sociedade como qualquer outra pessoa.
E o preconceito que culpa os nossos representantes por todo o nosso suposto mal, ainda que o Brasil tenha sido a economia que mais cresceu no século XX, saindo dos tempos da monocultura do café e chegando a sexta potência econômica do planeta, só traz uma visão antipolítica e autoritária que atenta contra a nossa já consolidada democracia.
INDÍCIOS
O TJ/RN precisa aceitar a sugestão da OAB/RN e afastar os funcionários públicos citados nas investigações, sob pena, mais uma vez, do judiciário estadual ter sua legitimidade questionada. Afinal, qual o cidadão que irá aceitar ter um processo analisado por um juiz que responde por corrupção ativa?
COMBATE A CORRUPÇÃO
O caso do judiciário, mas também o de Demóstenes no senado, o último paladino da moral, mostram que não é a “honestidade” que irá acabar com a corrupção.
A honestidade é pré-requisito básico. Ela não garante projeto político. Não diz o que o político irá fazer com o dinheiro, a quem irá atender com os recursos e como vai promover a relação entre Estado e Sociedade Civil. Em suma, paradoxalmente, não permite, necessariamente, a ausência de corrupção.
Ainda que a retidão seja importante como ponto de partida, o emprego adequado do orçamento, servindo ao público e não a interesses privados, depende de um conjunto de mecanismos regulatórios e de fiscalização durante todo o processo de distribuição e execução dos recursos públicos.
O Brasil precisa de honestidade sim. Porém, sem instituições democráticas geradoras de transparência e participação consolidadas, todo o percurso pode ser desvirtuado.
Temos de lutar, se quisermos menos corrupção, pelo fortalecimento do Ministério Público, das Controladorias, Tribunais de Contas, etc.