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Carta de um leitor

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Advertência

O texto que se segue é uma carta que o leitor Sérgio Amaro me enviou, por ocasião da publicação da crônica “Eu não sou Dom Casmurro”, escrita por este que vos fala. Por respeito ao leitor, julguei importante publicar sua comunicação a partir de sua anuência, claro. Desta feita, não sou responsável pelo escrito. Isto é, não se trata de uma crônica de meu punho. Dito isto, passemos à leitura!

Estimado João Paulo,

Eu acompanho suas publicações no Carta Potiguar, já desde o primeiro escrito. Gostaria de dizer, antes de tudo, que você tem uma escrita interessante; aliás, ela se parece com a minha, quando jovem eu era.

Seu último texto, Eu não sou Dom Casmurro, publicado ainda hoje, fez com que eu me lembrasse de algo que me ocorreu. Eu peguei sua referência. Quase sem tirar nem pôr, você rememorou um fato ocorrido em 2014, que foi amplamente divulgado pela mídia local.

Se algum desavisado ler seu texto, pensará que é pura ficção, né? Nós sabemos que não é!

Eu fiquei com vontade de escrever a você, porque, apesar de sua escrita não se parecer com a da Délia do Não Inviabilize Picolé de Limão é muito bom! –, entendo que ela nos lembra muitas situações ímpares que tecem o cotidiano do brasileiro.

Meu caso é um pouco mais dramático que o do homem de Parnamirim. Na verdade, é quase inacreditável, quando não inaudível – porque muito imoral.

Antes que eu adiante, digo logo que, se quiser, pode publicar essa carta e com meu próprio nome. Eu não me envergonho de meu passado. O que não nos mata, nos faz forte, já disse… agora não me lembro o nome do cara que proferiu essa pérola.

Bem, como eu não sei escrever como você, serei bem direto em minha exposição. Eu fui traído também, mas minha traição foi … não sei nem nomear!

Minha esposa me traiu com meu próprio filho – também –, porém, diferentemente do caso do homem de Parnamirim, ela é mãe dele. Isso mesmo, minha mulher, mãe de meu filho, traiu-me com meu filho, que é filho dela.

Não contarei detalhes, nem narrarei o dia nem a circunstância. Só compartilhei esse fato para dizer que eu entendo a mutilação que o homem traído fez em si. A traição é algo terrível!

Desnecessário dizer que, assim como o senhor traído, eu também que achava um justo, mas vai saber, né? É sempre bom se manter crítico de si. Algo deve ter ocorrido que explique essas traições, ou não. Às vezes as coisas acontecem sem ser por reações ou encadeamentos lógicos do tipo ‘causa e efeito’. Apesar de eu ser afetado, não escrevo por vingança ou por julgamento. Escrevo por catarse!

Eu, graças a Deus, não tive coragem nem de fazer mal a mim nem aos envolvidos. O que ficou foi um gosto amargo no espírito.

Eu não ousaria afirmar que estou bem – não, eu não estou! –, mas posso dizer que continuo levando a vida, porque ela é assim mesmo.

Sei que você é formado em Filosofia e sei também que me entenderá quando eu digo que se a gente não viver entre o estoicismo e o cinismo temperado pelo niilismo, corremos o risco de nos matarmos na próxima esquina.

O que me deixa menos infeliz – e de maneira até idiota – é que eu não sou o único, assim como o homem de Parnamirim também não. Eu sei de casos que até Deus duvida. Veja você, eu soube, de acordo com uma prima minha, que temos uma tia que traiu seu marido com… Deixa pra lá. Não convém contar essa história que não me pertence.

Bem, era isso. Eu queria dizer apenas que eu também não sou um Dom Casmurro. Queria dizer apenas que muitos são Dons e muitas ações humanas estão fora de nossa aceitação…

Mas eu sei, eu sei… eu me lembro das aulas de Sociologia. Eu sei que é tudo convenção social e o moral, imoral e o amoral são pontos de vista comungados socialmente e nada têm a ver com certo ou errado na natureza – essas impressões moralistas estão na seara da teologia.

Bem, era isso. Eu agradeço por me ler e peço que continue escrevendo sem medo de chocar. A escrita é assim: uma faca de vários gumes!

Com gratidão e admiração,

Sérgio Amaro, seu fiel leitor.