Ok, ok, o sensacionalismo do título, que beira à fake news, foi apenas uma estratégia de marketing de conteúdo, para prender sua atenção, querido(a) leitor(a). No jargão da área, essa técnica é chamada de “anzol”. Porém, bem que poderia ser verdade, né? Não porque isso me traria prazer, mas sim porque a boneca Barbie representa nossa barbárie.
Não foi à toa que ela e o Ken se tornaram memes famosos, quando as pessoas querem tirar sarro do pessoal de direita, cujo habitat mais apropriado deveria ser um divã coletivo – por ser antimanicomial, não sugerirei que estas pessoas estejam em um hospital psiquiátrico. A Bárbie, tradicionalmente de cor branca, de olhos azuis e de cabelo escorrido, representa a decadência ocidental. Sem medo, afirmo que ela aglutina, como uma ogiva nuclear, toda nossa miséria.
É claro que não me refiro ao artefato lúdico em si, mas sim à sua representação. Nessa boneca residem duas representações de pragas humanas comuns, a saber, o racismo e o patriarcado. Explico. A boneca, essencialmente de cor branca – que só depois de muito tempo veio ter uma versão preta –, é a expressão do preconceito ocidental. Ela tem cabelo liso e é magra – tipo Gisele Bündchen. Seu estereótipo em nada difere das aspirações ocidentais no tocante aos padrões de beleza aceitáveis e desejáveis – de uma elite branca, que sente vontade de ter o mesmo pigmento dos seus antepassados, bem como gostariam de encarnar as formas físicas esculpas pelos gregos.
Imagine você se a Bárbie fosse preta e gorda, com cabelo crespo, desde sua primeira produção. Não é fácil imaginar, né? Pois bem, isso ocorre porque, de fato, não querem que imaginemos outras estéticas, para além dos padrões apodrecidos da mentalidade racista e patriarcal oficialmente aceita.
“Mulher boa”, para o ocidente, é mulher magra, de cabelo liso e de cor branca, claro. Em apenas um artefato encontram-se duas misérias humanas, que expressam nossa desgraça.
Quando eu li Nietzsche, eu compreendi que ele fazia uma crítica da modernidade ocidental, porém, eu pensava e olhava como alguém que estava no próprio Ocidente, isto é, eu não tinha uma dimensão apropriada de nosso abismo.
Porém, anos depois, eu mantive contato a alguns textos do Castoriadis, quase que aleatoriamente – mentira, eu os li para tentar a seleção de mestrado em Filosofia, na UFRN. Em um de seus textos, ele faz uma crítica ao Ocidente. Foi aí que eu entendi que os orientais não querem se tornar ocidentais – apesar de term sido, economicamente, tragados por esta parte do globo –, porque eles nos veem como seres em decadência total. Para eles, nós não temos mais alma – eu tendo a concordar, profundamente, com eles!
Tornamo-nos o que não queríamos, somos exatamente quem criticamos. Olhamos demasiadamente para o abismo – eu acho –, então, justamente, ele olhou para nós. Isto é, tornamo-nos o que dizíamos combater. Walter Benjamin, um otimista realista, viu a possibilidade de “domesticar” a barbárie, a partir de uma mudança de perspectiva, como se possível fosse haver uma “barbárie positiva”. Sinto muito, Walter!
Originalmente, diz-nos o Wikipedia, a boneca Barbie, que foi criada por Ruth Handler e produzida pela Mattel, foi inspirada na boneca alemão Bild Lilli. Porém, eu prefiro acreditar na minha fake news, pois me faz mais sentido, haja vista que esse brinquedo tem a cara do Ocidente: ela encarna e esculpe nossa barbárie – que, covardemente, atribuímos a outros povos. Pera, eu falei como se eu fosse um bárbaro; eu nada tenho a ver com essa patifaria. Cada cachorro que lamba sua…
O que vivemos hoje no Brasil é, em meu entendimento, exatamente a expressão da barbárie, sem tirar nem pôr. Em três anos, Bolsonaro já fez tanto mau – aqui eu subverto a língua vernacular, pois, entendo que Bozo é mal, no sentido literal do termo –, que, em escala, fez o país retroceder a quase 50 anos, pelo menos.
Sejamos honestos e conscientes: o povo o elegeu. Eu não sei até que ponto eu também torno-me um bárbaro ao afirmar que estamos colhendo o que plantamos – apesar de eu e mais um punhado, não termos votado dessa desgraça que está no Governo. Irei mais longe e afirmarei que a barbárie de Bolsonaro é também a “nossa” – só em sentido conotativo do pronome possessivo. Ele espelha um pedaço da sociedade brasileira. Temos de conviver com esse fato: nossa nação tem ranço e prática fascistas que, após a eleição do energúmeno, veio à superfície.
Ah, quase me esqueço, existem Barbies de “quase” todo preço, o que não varia é sua carestia – claro que existe um valor mínimo, já o valor máximo… bem, o céu é o limite! Isto é, a Barbie, como tinha de ser, expressa também a ordem econômica, que é excludente, por natureza, porquanto, somente quem tem dinheiro ou tem disposição de saquear o orçamento mensal, pode comprar esse brinquedo.
Porém, não faço uma ode contra – ode contra, como assim? – essa boneca. Não sugiro que as queimemos, a fim de dar prejuízo a Mattel. Sim, pois, sabemos, ainda que essas bonecas sejam extintas, a barbárie continuará, porquanto, mudam-se os artefatos e as representações, mas a mentalidade dominadora ocidental continua.
Eu não estou falando de representação social ou identitarismo, isto é, eu não advogo que haja mais bonecas Barbies negras, com cabelos crespos ou mesmo reclamo que elas sejam trans e magras – ainda que, a nível de identificação, isso pode ter lá seu significado e relevância. Eu sei que se eu for na lata do biscoito e tirar 1, ficam 18 – essa referência é antiga, se você a compreendeu, desculpe-me, mas sim, estás idos@, feito eu! Dito de outra forma, se se queimarem todas as Barbies, haverão milhares de Bebês Reborn, Susis, Moranguinhos e por aí vai.
Hoje em dia, está na “moda”, na grande mídia, falar em racismo estrutural, porém, não se diz o que ele sustenta. Pois bem, o racismo e o machismo sustentam as estruturas do capitalismo e do patriarcado – que se sofisticou a partir do advento da lógica econômica liberal: pura barbárie!
Por fim, peço que não espalhem minha fake news sobre a Barbie, apesar de fazer sentido – boa parte delas fazem! Antes, peço que reflitamos sobre nossas barbáries diárias e estruturais e, por seu turno, procuremos combatê-las, porquanto, é preciso que primeiro se elimine a barbárie pessoal e doméstica, para depois extinguirmos as barbáries de outrem. Não esqueçamos, toda vez que apontamos os dedos sujos de sangue para os outros, três estão apontados para nós mesmos e o quarto dedo, o polegar, está apontado para Deus, como quem dize: Ele está vendo tudo, fariseus!