Às queridas Raline e Karen
Os estadunidenses têm uma cultura de serem ou procurarem serem inspirações para outros humanos, nos âmbitos doméstico e internacional. Para além da lógica explícita da dominação existente, poder-se-ia tirar algo de bom disso. Isto é, ter alguém que nos inspire é muito bom, ser inspiração é melhor ainda!
Quando jovem, sempre procurei autores e pessoas perto de mim que pudessem me inspirar. Muitos me influenciaram na vida e acho que já fui influência de alguns também – não tenho certeza disso!
Acho que por volta de meus 18 anos, eu já era intelectualizado, por assim dizer. Eu já lia bastante e já era conhecido no meu interior como alguém que era versado em Humanidades – seja lá o que isso signifique!
Todavia, sempre procurei outras maneiras de ser influente e de ser influenciado. Sempre valorizei a doação de presentes: ora era a própria consumação do momento – porque acho que estar em uma conversa de corpo e alma já se trata de um dom, haja vista nossas distâncias abissais! –, ora era um objeto que eu gostava de dar, como menção do apreço nutrido por mim a x pessoa.
Lembro-me de que a amiga Raline fez parte desse ciclo de afeto que nutri. Eu tinha 18 anos e ela tinha 14 anos, eu acho. Apesar da diferença de idade, eu realmente a tinha como amiga, certamente pelo alto grau de intelectualidade e sensibilidade que nela encontrei.
Por participarmos das coisas da igreja católica – ela era cristã, de fato, eu era um apreciador das manifestações religiosas de toda sorte! –, sempre estávamos a conversar sobre as coisas da vida. Conversávamos de maneira muito madura para a época. Era até estranho!
Por fazer muito tempo, alguma informação pode me faltar – desculpa, Raline!, porém, lembro-me de que trocamos presentes por ocasião de nossos aniversários. Eu a presenteei com o livro de poesia da Laura Riding, “Mindscape”, e um CD da cantora Colbie Caillat. Ela me presenteou com uma foto emoldurada da Alanis Morissette, um vinho e algo sobre Filosofia, cujo objeto, em si, não me lembro do que se tratava.
Ganhei outro presente muito bonito da amiga Karen Katarina. Em um de meus aniversários, ela me presenteou com uma pipa do Palmeiras e um bolo-da-moça, eu acho – minha memória tem me traído, de quando em vez! Eu não lembro exatamente o que lhe dei, afora uma carta que fiz, cujo conteúdo começava com o composto químico da pimenta e terminava dizendo que ela era maravilhosa – sim, à época eu era bem mais imaginativo!
Karen tinha uma idade aparentada com a minha. Nossa amizade era fruto, salvo engano, dos encontros no grupo de estudo que criamos para passar no vestibular. Ela era – e é – uma das pessoas mais queridas e inteligentes que eu já conheci.
Karen, com o passar do tempo e por vacilo meu, distanciou-se de mim, enquanto Raline seguiu seu curso da vida. Outro dia, ao ouvir Colbie e Alanis, lembrei-me dessas duas pessoas, cujas ações impactaram-me profundamente. Lembrei-me dos feixes de luzes que elas lançaram sobre mim. De fato, foram pessoas significantes na minha vida – e eu espero que eu tenha sido, em alguma medida, alguém em suas vidas!
Por ainda manter contato virtual, apressei-me em falar a Raline, a fim de saber como ela estava, relembrar dos presentes e reafirmar que aquele carinho me deixou marcas indeléveis, no melhor dos sentidos possíveis! Relembramos dos presentes, rimos um pouco e marcamos, claro, de nos encontrar – esse encontro acontecerá? Isso só depende de nós, mas…
Penso muito sobre a questão de sermos luzes, penso muito sobre as sedes e sedes de luzes – sim, usei os homônimos para te confundir e trazer certa ambiguidade sofisticada ao texto! Essa coisa de ser fonte de luz e de amor é importante.
À época – e hoje também –, a pipa do Palmeiras, o vinho, a foto de Alanis, o bolo-da-moça e o objeto sobre Filosofia, definiam-me muito bem. Era, e ainda os são, minha essência – seja lá o que isso signifique!
Não se trata, claro, do presente recebido. Antes, diz respeito os afetos que ficam na memória. Sim, pois, quem me conhece, sabe, rejeito o valor material do presente; entendo que “valor sentimental” de algo versa sobre a cultura, que eu não comungo, do valor do objeto. Nunca presenteio alguém, pensando no valor físico-imagético do objeto, sempre miro as afetações psico-físicas que eles possam provocar, quando a pessoa olhar para ele. Entendo que a memória afetiva é mais interessante que o “valor sentimental”.
Espero, sinceramente, que eu tenha sido, ainda que por um naco de tempo, luz nas vidas dessas queridas amigas. A amizade é um dos amores mais lindos que existe; os amigos são uma das seivas da vida. Se eu puder te dar um conselho: ame como se não houvesse hoje; destile amor e aniquile o ódio; tudo passa, somente as boas relações, cultivadas pelas boas memórias, fazem diferenças em nossas vidas, todo o resto é contingência!