Nós nunca sabemos muito bem como as ideias nos vêm ao pensamento – os filósofos da mente que o digam! Por acaso, conheci a canção “Sou eu”, do cantor Washington Duarte (WD), que também acabei de conhecer – ele é um maravilhoso; se me permitem: ouçam-no! A letra é de pura resistência, a partir de um retrato de muita dor, violência e tristeza que incidem sobre as realidades das pessoas pretas.
Deixei a canção de lado e fui à minha segunda casa, o Twitter. Vendo postagens daqui e dali, cheguei a uma postagem, cujo conteúdo nem me lembro mais, e pensei no irmão da Suzane von Richthofen, Andreas von Richthofen – espero, cá comigo, que o que eu tenha visto tenha me remetido a esse pensamento, senão, ficarei um pouco preocupado! Fiquei pensando em suas perturbações. Pensei sobre a última notícia que soubemos dele: maltrapilha e largado, em uma casa que tinha invadido.
Após ler sobre sua situação, lembrei-me dos soldados que combateram nas guerras dos outros – essa conexão de pensamento já me faz mais sentido! Esses pensamentos fizeram-me ponderar sobre a falta de fé na humanidade dessas pessoas. Cada uma por motivações diferentes, mas com o mesmo resultado: há algo na humanidade que nos causa desgosto.
Comentei sobre isso em um story no WhatsApp. Um amigo veio ao meu privado e perguntou-me se eu já tinha perdido a minha fé na humanidade. Pensei um pouco e respondi que ainda não. Acho que tenho a mesma resiliência da canção precitada – ainda voltarei a ela! Pensei, imediatamente, no trecho da canção “Everybody Hurts”, do R.E.M: “todo mundo machuca, todo mundo chora”. Eis uma verdade cosmológica!
Lembro-me que nos idos de 2014-2015 minha estética sobre o mundo foi profundamente abalada. Tive duas grandes decepções na minha vida, que me traumatizaram ao estilo Winnicott: a realidade insistia em contrariar minhas fantasias (de mundo).
Assim que saí da universidade, tive muita dificuldade para me situar no mundo. Estava passando por severas necessidades. Pedi ajuda ao “meu” “pai”. Eu quase nunca lhe pedi nada na vida, porém, pela urgência do momento, pedi-lhe guarida. Ele disse-me que não poderia me ajudar.
Em resposta, eu disse que pedia a deus para que eu pudesse ajudá-lo, se acaso um dia ele precisasse – ainda penso assim! Acho que ficou comovido ao ler minha mensagem. Veio até mim e ofereceu-me um lugarzinho, sem banheiro, para eu morar, enquanto minha vida não voltava ao eixo. Quando lhe perguntei como eu iria fazer minhas necessidades fisiológicas, ele disse que eu poderia pôr os dejetos em uma sacola e jogá-las no lixo. Aquelas palavras destruíram-me por dentro – e futuramente por fora! Recusei a oferta e tentei vencer aquela situação.
Entre trancos e barrancos, consegui sobreviver e passar no mestrado. Um grande amigo – certamente um dois meus cinco mais amados – me recebeu em sua casa; deu-me guarida, a fim de que eu pudesse me virar, enquanto minha bolsa de mestrado não saía. Consegui a bolsa, mas continuei a morar com ele, pois, disse-me ele que precisava de mim para se estruturar também, enquanto sua nomeação de professor não saía – a gratidão é algo que gosto de cultivar!
Por motivações e circunstâncias que não vêm ao caso, esse mesmo estimado amigo participou de um furto de meus pertences. Na verdade, ele furtou de mim a única coisa que realmente dou valor na vida: meus livros. Eu demorei muito para aceitar que ele, que morava comigo e que eu tinha-o como a um irmão, permitira que um colega/companheiro (sobra-me a dúvida se houve, de fato, outro participante nessa ação; à época ele sugeriu que poderia ter sido esse colega quem me furtou, mas, cá pra nós, acho que foi somente ele o autor: depois eu pude ver com clareza e aceitar o fato) subtraísse meus livros, orçados em cerca de R$ 450, 00 – alguns dos quais eu nunca tinha nem mesmo desembalado. Sei que o leitor entenderá que não se trata de valores; não foi isso que me incomodou, mas sim a punhalada em quem sempre deu amor e respeito e as parcelas que eu ainda estava pagando – todos sabemos, livro é artigo de luxo em nosso país.
Quando eu dei por mim, estava desolado. Quase não suportei os dois golpes que recebi; primeiro foi meu pai, que me negou paternidade; segundou foi meu amigo, que me negou amizade. Perdi, temporariamente, a fé na humanidade. Chorei e não tenho vergonha de dizer. Na verdade, pranteei por anos. Passei cinco anos sentindo-me um errante aqui na Terra. O sentido da vida tinha ido embora. Nada mais fazia sentido para mim. Perdi a vontade de estar entre os humanos; eu só sentia desgosto. Entre bebedeiras e vacilos, entre erros e situações vexatórias, temperadas com perigos, vivi cinco anos desprezíveis, como ser que desprezivelmente sentia e agia – observe @ leit@r que não procuro justificativas para meus atos, apenas me exponho.
Após esse período de enlutamento, decidi, como na canção de Renato Russo, voltar a viver; decidi, como na canção de Raul, tentar outra vez. De repente, como que curado pelo efeito do tempo, toda aquela dor foi-se embora. Parece que resolvi dar ouvidos aos conselhos de Nietzsche, quando ele diz que é importante olhar para o passado e superá-lo, na certeza de que os erros cometidos servem por lições.
Pessoas feridas muitas vezes ferem, porém, não precisa ser assim. Às vezes nossos pais nos abandonam – o que seria de nós se não fossem nossos avós! –, a sociedade nos marginaliza, marginalizamo-nos e amigos são escamosos – nunca deixe de visitar seus velhos amigos, pois esses são os únicos que não te julgam e se julgam, não te condenam –, digo, é importante saber que há os amigos de universidade, de mesa de bar e amigos de intimidades – isso não é bom nem mal; as coisas são assim.
Estou em uma nova fase. A vida sedentária, que sempre me foi estranha, tem me interessado. Hoje em dia, comprar móveis e utensílios tem sido minha alegria. Estranha e interessantemente, vivo só, mas não me sinto só. Não sinto dor. Não é que eu tenha me acostumado, “simplesmente” parou de doer, assim como eu parei de machucar. A mencionada canção de WD é muito poderosa: “tudo começou dar certo quando eu aprendi me amar”. Creio que o tempo, o amor e a vontade de acertar, foram-me por bálsamos cicatrizantes.
A inconveniente verdade cósmica a qual me referi titularmente, existe para aprendermos a conviver com nossa humanidade, porque esta caminha entre machucados e dores, resiliência e alegria, tentativas e erros. Ser agente passivo ou ativo é tudo questão de perspectiva e situação.
[Às vezes] Todo mundo machuca (agente ativo), todo mundo chora (agente passivo). Isso pode ocorrer sempre, mas lembre-se: sempre não é todo dia!
Aguente firme!