Um dos maiores imperativos, que todos os pretos deveriam aprender em casa – se pais zelosos tivéssemos, se atentos fossem! – é a impossibilidade de errar. Isso mesmo, um preto não pode errar. Desde o jeito de andar até os menores descuidos, tudo interfere na vida de pessoas pretas. Qualquer vacilo e pronto, morreu; pronto, apanhou dos playboys; pronto, levou uma surra da polícia; pronto, foi humilhado por um segurança qualquer; pronto, a polícia matou!
Quem lê as linhas acima, se não for experimentado, pode pensar que exagero, todavia, quem sabe, entende que em não hiperbolizo absolutamente nada. Os pretos e pretas brasileiros vivem sempre entre angústia, tensão, pressão e ansiedade.
Quando não é o cabelo que tem de estar cortado, é a roupa que tem de estar engomada e ser discreta; quando não é um andar cuidadoso, a fim de evitar chamar atenção, é a maneira de chegar perto das pessoas; tudo deve ser feito com muito zelo e cálculo, senão podemos morrer; assim, literalmente.
O espectro da luta classista é muy valioso para dispensarmos por coisa pouca. Todavia, essa régua não deve, assim entendo, criar a artificialidade de que todos têm de ser tratados iguais, quando como desiguais somos tratados. Com isso quero dizer que, se possível, trate sempre seus parentes marginalizados (pardos pretos, crioulos e indígenas etc.) com a maior irmandade possível. Não se perca, um branco jamais tratará um branco que mata igual a um preto que rouba. Não se iluda, eles se protegem. Entendem que é natural cuidarem de si, por que não podemos naturalizar o cuidado entre nós?
A sorte de toda a gente branca é que nós pretos não queremos vingança, mas sim igualdade, senão, nos lembra Emicida, o fetiche não estaria em nossos corpos, e sim é nosso ódio!
Se é para cooperar, que seja uma cooperação entre os excluídos e marginalizados. Não faz o menor sentido nos agredir, enquanto eles se agradam. Porém, não se deve pensar, ingênua e tacanhamente, que estou a falar de ódio ou mesmo de revolução. Não caia na bobagem estereotipada de crer que por detrás dessa pena há um preto raivoso e ressentido.
Esse texto fala sobre amor.
Não cometa erros, pretos!
Entretanto, não se confunda, um policial não é um de nós. Não importa se ele é preto, pobre, branco, amarelo, azul ou mesmo vermelho. Assim como o soldado deixa de ser um cidadão e se torna inimigo em tempo de guerra, humano algum investido de autoridade pode ser considerado um irmão nosso.
A violência não tem princípios, só método.
No mais, confraterne-se com todos. Quem sabe, entre dororidade e irmandade atenuemos as angústias do presente, enquanto lutamos para dizimar as feridas do futuro.