O abraço é a via pela qual sabemos quão sincera é a pessoa. Por meio dele, conseguimos saber as intenções de quem nos abraça. Os humanos reconhecem quando o abraço é amoroso, assim como têm ciência de um ato farisaico que blasfema o abraço.
Lembro-me, até com certa tristeza, que minha personalidade árida não me deixava abraçar as pessoas. Precisei treinar! Meu primeiro abraço foi aos 15 anos. Aproximei-me de minha avó e lhe abracei. De fato, foi estranho e esquisito para nós dois. Ambos ficamos constrangidos! Entretanto, eu não me permiti deixar de tentar. Lembro-me de que nunca suei tanto na vida como naquele momento. Não era o nervosismo, nem angústia que provocava hematidrose em mim, mas sim a inexperiência. Todavia, a abracei!
Daqueles dias em diante, passei a abraçar com mais frequência e leveza, mas ainda não entendia a linguagem do abraço. Até que aconteceu algo que me fez mudar.
O abraço mais importante na vida de que me lembro foi de uma moça preta. Eu nunca a vi antes em lugar algum; não que me eu me lembre! Após ser abordado pela polícia de maneira vexatória, porque fui apanhado tomando droga ilícita, essa moça veio ao meu encontro e simplesmente me abraçou. Não foi um abraço entre homem e mulher, nem entre amigos, foi um braço entre oprimidos. Nunca mais fui o mesmo depois daquele abraço. Uns amigos acudiram-me, outros omitiram-se, outros desvencilharam-se de mim, sob o pretexto de que eu sabia me virar. Aquela moça me acolheu como ninguém me agasalhou na minha vida. Nunca mais a vi. Depois daquele episódio, troquei de mim.
Desde então, quedo-me a pensar acerca da potência do abraço. Todos dizem que o abraço pode muito em seus efeitos. Sabe-se que o abraço libera ocitocina e endorfina – ambas as substâncias relacionadas, respectivamente, às sensações de aconchego e bem-estar.
Aquela experiência mexeu com minha existência. Para além de seus efeitos fisiológicos e neurológicos, por assim dizer, depois daquele abraço uma janela perceptiva foi-me aberta. De repente, outra realidade achegou-se a mim. Ali mesmo, ainda entorpecido, dei-me conta de que estamos sós no mundo, mas não todo dia!
Ao repensar sobre aquele momento, vem-me à mente o trecho da canção “Sempre não é todo dia”, do mestre Oswaldo. Aquela experiência, que volta e meia a revivo – quando preciso me trocar –, faz-me lembrar de que não merecemos a solidão. Ainda que sejamos tristes para sempre, é um bálsamo lembrar que sempre não é todo dia.
O médico Roberto Shinyashiki diz, em seu livro “A carícia essencial”, que precisamos de afetos. Além disso, diz também que é importante a troca e o compartilhamento de afetos. Em outro tempo, sempre que possível, voltava a esse texto. Eu sempre achei muito bonito o que ele escrevia. Não raramente dava de ombros para a possibilidade de uma experiência semelhante às que ele narrava no texto; me sentia contemplado lendo aquele conteúdo. Todavia, nada se compara à experiência do afeto.
O abraço é uma carícia essencial. Não me parece determinante a tipologia desse abraço, mas sim o ato de abraçar. Às vezes uma violência nos deixa marcas indeléveis. Às vezes o abraço cicatriza feridas emocionais diagnosticadas como crônicas.
O abraço não mente. Ele é o amor em ato. Por mais que queiramos, não se ama em potência. Somente a ação materializa o amor. A fala tem efeito ativo. O abraço é a fala entre os corpos.