— Olha como ele é tóxico!
— Deixa ele. É o jeitinho dele.
Não sou o primeiro nem serei o derradeiro a falar sobre o jeitinho brasileiro. Uns falaram sobre nossa malandragem, outros dissertaram sobre nossa cordialidade, que está na confusão entre público e privado – vide Bolsonaro! –, outros ainda comentaram sobre nossas alegrias nos pés e mãos, enquanto o sal cauteriza as feridas no lombo. Eu, que não sou poeta nem antropólogo, falarei sobre o jeitinho brasileiro do meu jeito.
Apesar da imprecisão e do erro epistemológico a que estarei sujeito, não farei recortes de classe e gênero, raça e credo, condição física e região. Como dizem, “meterei o loko” na digressão.
Desnecessário dizer que se há vários brasis, há também vários brasileiros, portanto, por corolário, há vários jeitinhos brasileiros. Desse modo, não me parece possível cravar um entendimento em torno de qual jeitinho brasileiro seria o mais “nacional”, isto é, representante da nação. Prefiro trilhar outro caminho. Para mim, só existem crônicas dos jeitinhos brasileiros. Aqui falarei de um perfil que só eu imagino.
O brasileiro, quando criança, é amoroso e fraterno. Independentemente da raça e da cor, como um labrador, é cultivado no sentimento comunal. Muito disso se dá em razão das crenças espirituais nacionais – quer sejam de origens indígenas e europeias, quer sejam oriundas dos africanos e asiáticos. O infante brasileiro é ensinado que ter amigos é tão importante, ou mais, que ter dinheiro. Afinal, se dinheiro na mão é vendaval, quem tem amigo à praça, tem tudo.
Quando adolescente, os valores mudam radicalmente. Agora a amizade é importante, mas nem tanto. Melhor, a amizade é importante, desde que seja resumida a um grupo que não ultrapassa o número de cinco… no máximo seis. Nessa fase da vida, o brasileiro aprende que é importante não andar só.
A partir dos vinte anos entende-se que é cada um por si e deus por ninguém. A amizade provinciana já não faz mais sentido. O sentimento comunal dá lugar a um sentimento apocalíptico: o mundo está se afundando.
Aos quarenta anos já não existe mais espírito no brasileiro. É nessa fase que seu jeitinho ganha força. Diga-se o que disser, faça-se o que fizer, não há jeitinho brasileiro antes dos quarenta. Mas por quê? Porque é nessa fase que a necessidade aperta, a moral enfraquece e nada mais faz sentido, além da garantia da sobrevivência. Aliás, é importante dizer, jeitinho brasileiro e sobrevivência tem tudo a ver.
O brasileiro, em sua maioria, não sabe o que é liberalismo clássico, não obstante o exercite todo santo dia. O brasileiro vive sob a espada da incerteza; sai de casa sem ter certeza de que voltará, não sabe à que horas um policial lhe dará um tiro fatal, não sabe o que fará se não vender… não sabe se o salário findará o mês.
O jeitinho brasileiro é aquele que sepulta a arte em nome do pragmatismo, festeja a vida como se fosse anestesia, em vez de comemorá-la como se fosse uma dádiva.
Não há mais humanidade depois dos quarenta. O que resta é um mobilismo inerte rumo a lugar nenhum… a religião exerce o importante papel do faz de conta, papel este que tem a mídia como sua rival parcial – sempre que possível ambas se juntam para injetar palavras e imagens terapêuticas que entorpecem o espectador.
Não se deve pensar que o jeitinho brasileiro tem a ver com esperteza desavergonhada. A marca d’água do jeitinho brasileiro está na sua falta de fé. Depois dos quarenta ninguém confia em ninguém. Às vezes, de quando em vez, as relações familiares conseguem atenuar a hostilidade que desenvolvimento entre nós, mas a acabar, jamais!
Aquele senhor alegre, todavia, sem expressão, contido, porém esperto… aquele tipo humano que vive o dia inteira… esse tipo é o brasileiro que deu um jeitinho de viver em um país cujo sentido nacional se esfarelou já desde sua nascente; na verdade, nunca houve.
Entretanto, entendo que é um erro interpretar o jeitinho brasileiro como algo que nos faz espertos e safados, alegres e sobreviventes. Penso que nosso jeitinho brasileiro está na capacidade de nos perdoar. Nos vemos como humanos, demasiadamente humanos. Você pode dizer que os mais de 50 mil que morrem assassinados todos os anos contradizem minha ideia. É verdade, todos os anos outros jeitinhos brasileiros mantam outros jeitinhos… por isso, falei que existem vários brasis. Na verdade, acho que fui convencido por minha própria indagação. O jeitinho brasileiro nada tem a ver com a capacidade de perdoar.
Será que existe jeitinho brasileiro? Por que todos que vêm de fora dizem que somos um povo alegre e invejam isso em nós? Talvez o tempero tropical explique.
Será que o jeitinho brasileiro é uma farsa, será que inventaram isso para nos fazer crer que temos algo de que nos orgulhar? Não posso estar errado, não há ninguém no mundo que faça gambiarra como nós fazemos!