Às vezes a Cultura Pop nos serve de espelho psicanalítico. Sempre gosto de me manter reativamente bem informado acerca das produções fílmicas seriadas para plataformas de streaming. Ao assistir a série teen “Never Have I Ever”, produzida por Mindy Kaling e Lang Ficher, dei-me conta de uma característica em mim que eu nunca tinha pensado, ou, inconscientemente, sempre fiz questão de esconder. Em uma das cenas, Nalila, a mãe de Devi – a protagonista da série -, e seu marido, Mohan, falam sobre reclamar dos jovens ao envelhecer.
Parte de mim sabia que eu tenho uma banda do espírito envelhecida, o que eu desconhecia era o prazer que sentia em reclamar. Por mais que seja enfadonho e repetitivo, quando não desagradável, reclamar é muito bom, pelo menos para o reclamante. Ainda que pareça algo besta ou simples, eu nunca tinha me dado conta do prazer que sentia ao reclamar. É tão bom quanto fofocar, porém, é ainda um pouco melhor, porque não há ninguém em especial a quem apontar, isto é, não há o perigo de nos envolvermos em futuros problemas.
Com toda certeza, lembrei-me imediatamente da canção “Eu também vou reclamar”, do eterno Seixas. Ela contém doses cavalares de ironias e sátiras aos entendidos como “retardatários” da crítica ao status quo autoritário da época – em especial a Belchior, Hermes Aquino e Sílvio Brito. A canção trata de uma reclamação-protesto, distante de uma “reclamação artística”, para não dizer mercadológica.
É bem verdade que existe certa arte na reclamação política. É um tipo de reclamação sem chatice, porque mexe com as emoções e nos põe diante da realidade. É um protesto imediato, que lida com a materialidade das coisas. Eu acho, particularmente, que esse tipo de protesto deve sempre ser afinado.
Todavia, fixei-me na reclamação como prazer. A satisfação de reclamar é periclitante, porque nos põe na posição de chatos a depender da dosagem. Porém, não há medidor matemático que caibre a dose adequada de reclamação. Tudo depende do “feeling” do momento. Sim, para reclamar é preciso ter “time”. Aliás, muitas foram as vezes que minhas reclamações encheram o saco das pessoas, porque muitas vezes perdi o tom. Porém, também houve várias vezes que minhas reclamações se tornaram sketch de stand up.
A reclamação exagerada, por incrível que pareça, traz alegria ao reclamante e a sua plateia. O problema de quem reclama é, de novo, a dosagem. Digo, é preciso reclamar de uma só vez e com exagero. Porquanto, além de ser catártico, ainda traz entretenimento ao espectador. Assim, é possível conciliar a satisfação da reclamação e aceitação social.
Mais prazeroso que reclamar só, é reclamar coletivamente. A gente se sente mais à vontade e menos julgado. Conseguimos arrastar outros para nossa desgraça. Não é um prazer pérfido, é um prazer de alívio: somos todos reclamões. Assim, as chances de as pessoas envolvidas julgarem entre si como chatas se reduz a zero.
Pratique a reclamação como terapia, mas pratique com arte. Assim, poderá rir e arrancar risos e, por outro lado, ainda se livrará de algum encosto que fardeia sua vida.