O art. 288 do Código Penal dispõe acerca da associação criminosa. O ajuntamento de 3 (três) pessoas ou mais, para o cometimento de crime, configura o que conhecemos popularmente por “quadrilha”. É o dizer de Cristo mal versado: onde estiver três ou mais reunidos em nome do crime, ali haverá formação de quadrilha.
Alguns bons teóricos se puseram a delinear a silhueta desse Governo, que é, com certeza, traçado pelo autoritarismo e temperado por vontades totalitárias. Sob pena de repetir o que já assentiram, me imponho a tarefa de, em poucas linhas, dissertar acerca do retrato desse Governo, de acordo com minhas lentes.
Antes de mais nada, sei que é estranho, especialmente para os leigos, associar o Governo atual como autoritário, nazifascista ou alto do tipo. Isso se dá, sobretudo, porque se criou um entendimento, acertadamente, de que as palavras têm poder e, por isso, não devem ser esvaziadas. Isto é, por muito tempo se evitou falar em fascismo por receio de desgastar o significado histórico dessa palavra.
Todavia, já não temos mais condições de escamoteá-la. A bem da verdade, temos o dever histórico-político de evocá-la, sob pena de adentrarmos em um calabouço sem franjas. Pois bem, passemos à questão, ainda que, como um amigo se manifestou nos idos de 2019, seja difícil de acreditar que o país recaiu no lodaçal fascista comum à ditadura militar.
Objetivamente, esse Governo, digo, essa Quadrilha, que é composta por 40 ladrões, tem três mal-amados, a saber: um Exército sedento por poder; um Presidente com pulsão de morte e um Ministério da Economia açougueiro.
Em forma rizomática, não há fonte original de fluxo. Todos querem o poder e fazem o que lhes convêm para consegui-lo. O Exército – ressentido por ter interrompido sua política fascista e ter se sentido vilipendiado por ter sido comandado por uma comunista –, resolveu voltar ao poder, custe o que custar, doa em quem doer.
O Presidente, que – ao que tudo indica – aparentemente teve alguma perda de massa encefálica em alguma de suas aventuras terroristas, tem um fascínio pela destrutividade. Encarna o sadismo à moda antiga, como se ainda vivêssemos a crueza do período medieval, só repetida em tempos de chumbo. Parece mesmo, para além de retórica política, que o Bolsonaro gosta de experimentar o sangue humano. É uma das pessoas mais horrível que o mundo conheceu, com certeza. Não considero factível a tese de que vivemos um período obscurantista, não obstante os ataques à educação, à ciência e a disseminação de fakes news, pois, vejo essas ações como técnicas para provocar a erosão do tecido social brasileiro.
O Ministério da Economia, hoje encarnado em Paulo Guedes, vive a lógica do Tio Patinhas, porém, com um atraso de meio século. É o lucro pelo lucro. Como Midas, só vê riqueza; diferente de Midas, pouco importa se será amaldiçoado. Melhor seria, aliás, chamar pelo nome: Ministério de Finanças da Burguesia. Esse setor é o cérebro do Governo, ao passo que Bolsonaro é seu coração e o Estado-Maior é seus braços e pernas.
Se engana quem pensa que a questão ideológica é importante nesse emaranhado. No máximo, sua representatividade se iguala às concubinas. Pois, antes da questão ideológica, vem os 37 ladrões.
Os três mal-amados (Ministério da Economia, Bolsonaro e o Exército), que representam a Quadrilha, digo, o Governo, competem entre si. Vivem sua República particular, cuja ordem invertida expressa sinal de rebeldia: são três poderem que se acotovelam desarmonicamente. A lógica operacional dessa Hydra é a seguinte: cada um por si e Deus por ninguém!
O mantra que ecoa, se nota, é totalmente diferente dos hinos das concubinas. Sem mais mistério, poder-se-ia dizer que estas são o corpo evangélico (católico e protestante), que se entrega à prostituição, da qual fingem repudiar. Tal qual fariseu que é, engana os fieis com seus placebos discursivos. Enquanto comete crimes de pornografia infantil, farisaicamente defende as crianças de uma tal de “ideologia de gênero”. Nesse corpo há charlatães que recomendam águas bentas para os crentes, enquanto se remediam com fármacos, vendem feijões mágicos aos acovidados, enquanto buscam o Einstein para se tratarem.
O sonho dessas concubinas (corpo cristão) é se aproximar de Bolsonaro, não porque o idolatram, como os fiéis, mas sim porque entendem que ao se achegarem perto do poder, poder reluzirão, tal qual Moisés.
Para o azar dessas concubinas, para se achegar ao Poder, é preciso passar pelos sagazes chacais que são os 37 ladrões. Estes achacadores profissionais, personificados no Centrão, jamais perderiam espaço para os falsos profetas. O único equilíbrio possível, que está longe de superação, é fazer parte deles. Então, o que temos é uma relação de disputa entre as próprias concubinas sobre quem fará parte do G37. Por isso, aliás, Edir Macedo tem um partido político. Ou seja, a única maneira real de se aproximar do Presidente é fazer parte do Centrão.
No fim das contas, para efeito de melhor compreensão, há 40 ladrões, dentre os quais se destaca uma trindade demoníaca, de modo que, como se fossem gradações infernais, há disputa de poder do mais baixo ao mais alto na hierarquia. Ou seja, a trindade briga entre si, bem como os 37 ladrões brigam entre si, para se manterem no poder e, quem sabe, um dia fazer parte da trindade. Além dessas disputas, há ainda a querela entre os falsos profetas, as concubinas, que brigam entre si e com o G37.
Se você ficou um pouco confuso com esse emaranhado, fique tranquilo, essa foi a única maneira que consegui te explicar. Digo, assim se “organiza” os poderes. Os poderes emanam de toda parte, menos do povo. Tetricamente irônico, né?
Talvez agora você possa, após as metáforas aqui mal elaboradas, entender melhor a relação entre as cabeças desse Governo. Não raramente Bolsonaro deflagra algum ataque aos militares – quer seja, humilhando-os, quer seja os culpabilizando pelos crimes de corrupções, quer seja abandonando-os –, assim como não é incomum alguns militares se posicionarem contra seu Comandante-em-Chefe, trazendo passamento ao Presidente, o qual não aceita ser contrariado.
Todo mundo sabe que todos comandam um pouquinho a nação. De modo geral, quem compartilha a presidência mais comumente é a cúpula do Estado-Maior e Paulo Guedes. Como se fosse uma criança, Bolsonaro desdiz o que disse tão rápido quanto fala merda, basta Guedes dizer que não aprova a fala de seu filho rebelde.
A única coisa que eles têm em comum, afora serem criaturas profundamente mal-amadas, é a ganância pelo poder. Eles realmente são seres que se odeiam, porém, se suportam, em nome de uma causa maior, a saber: poder (Exército); dinheiro (Guedes) e caos (Bolsonaro). Ainda deve ser dito que se funcionam desarmonicamente em sua parte interna, externamente são coesos. Pois, Bolsonaro fala suas mentiras, enquanto ameaça e inflama o povo, o Exército faz a egípcia e Guedes esquarteja a economia nacional – perfidamente enriquece os milionários nacionais e os bilionários internacionais, ao passo que depaupera a nação.
Às vezes penso que é em função desse cambalacho todo que não se consegue ter uma clareza das feições desse Governo. É como se ele tivesse a perícia de um polvo. Sua capacidade de espelhar a realidade, criando uma ilusão para outras perspectivas, dá a impressão de que ele é um de nós. Por isso mesmo, é importante reconhecer também o alto grau de sua periculosidade, digo, obscenidade, pois, nota-se, esse Governo pode ser de qualquer outro país, menos do Brasil.
É, o São João passou. Perdi a oportunidade de falar das quadrilhas juninas, entretanto, Quadrilha é o que não falta por essas terras.
Não se engane, o bolsonarismo cultural é um fenômeno típico de nosso tempo. Não existe igual na história. O que temos são analogias do século passado. Amanhã outros espécimes surgirão, pois, os fenômenos populistas autoritários, que geram culto de personalidades, são comuns em tempo de crise de economia liberal. No fim das contas, isso precisa ficar claro, se trata de uma Quadrilha que visa poder, dinheiro e caos.