Uns afirmam que a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) da Covid-19, instalada pelo Senado Federal, não dará em nada. Outros, talvez mais otimistas, conseguem enxergar algum resultado prático, para além do desgaste direcionado da imagem do Besta-Fera.
Alguns, estes também otimistas, veem longe; entendem que o resultado dessa CPI não será outro senão a denúncia, por um lado, de crime de responsabilidade e, por outro lado, uma denúncia por genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI), lá em Haia, nos Países Baixos.
Bem, a realidade não me permite, sob pena de ser irresponsável, de me aventurar em otimismos vazios ou esperanças tolas – apesar de bem intencionadas! O Senado não pode abrir um processo de Impedimento. Seu papel limita-se a dar procedimento a um processo aberto na Câmara, após acolhimento de denúncia.
Os objetivos dessa CPI me parecem óbvios: i) esgarçar a popularidade da Besta, a fim deexplodir sua candidatura e ii) prender um ou outro criminoso, tendo por horizonte oferece um pouco de sangue aos cidadãos famintos por justiça.
Bem, de cá, me parece que seus objetivos lograrão êxitos. É difícil imaginar um cenário em que Bolsonaro ganhe novamente – mas, assim como um tuite que envelhece mal, eu posso estar totalmente errado, e em 2022 tiraremos a prova dos nove fora –, sobretudo, contra o possível cândida Lula. É sempre bom dizer, quando oportuno, que o processo democrático republicano é uma piada sem grana. Digo, acreditar em processo eleitoral é tão sem sentido como acreditar nota de repúdio resolve algo.
Também é difícil imaginar que pelo menos um, o Fábio Wajngarten, por exemplo, desses responsáveis não será criminalizado. Haja vista que se trata de uma estética político-midiática, pelo menos um deve ser aprisionado. Não para servir como exemplo, porém, porque é assim o jogo da vida: o pau sempre tora nas costas dos mais fracos. Pauzello, por exemplo, não sofrerá consequência alguma, como bem demonstra o Exército. Porém, sem ilusões, por gentileza. Se, somente se, Wajngarten for preso, será coisa besta.
Outros criminosos como Nise Yamaguchi, Osmar Terra, Paolo Zanotto, Arthur Weintraub, Carlos Wizard e outros tantos, não sofrerão as devidas consequências. Pois, alguns deles figurão para os EUA, como Arthur e Wizard. Outros terão foro privilegiado, como o Osmar. Esses processos cairão nas mãos de Augusto Aras, que é, ao invés de um Procurador Geral da República, um outorgante da Besta. Porém, é preciso dizer, eu espero estar totalmente errado. Isto é, que todos os responsáveis por esse genocídio paguem pelos seus crimes.
Do meu ponto de vista, essa CPI apenas escancara, mais ainda, a completa falta de sentido que é viver nesse arranjo social. Veja, temos um presidente genocida que não é impedido pelo Estado-Maior, pelo STF, nem pelo Congresso. Apesar de não fazer sentido algum a continuidade desse genocídio legitimado e legalizado, nada se faz, como se se fizesse algo, a República viesse abaixo.
Nossa sociedade foi cultivada no golpe, sabemos. Desde o golpe republicano, em 1889, até ao “golpe-comboio” (político-jurídico-midiático-civil-militar), em 2016, a estrutura do Estado brasileiro serviu aos interesses dos ricos e poderosos, que sempre tiveram por fetiche matar pobres pretos e indígenas e escravizar os que sobrassem.
Sempre tenho dificuldades de fazer análises sobre nossa sociedade. Toda vez que me pedem para eu tecer alguma reflexão sobre nosso contexto sócio-político, me deparo com uma questão ética muito séria para mim, a saber: se eu me puser a discutir acerca das relações sócio-políticas que eu não acredito, estarei mentindo para mim mesmo. Digo, para mim, é muito espinhoso discutir essas relações políticas que eu não acredito na sua seriedade.
Talvez eu me expressasse melhor, se eu dissesse claramente que não me faz o menor sentido discutir quem será preso, quem sairá ileso, quem isso, quem aquilo. Simplesmente porque, como tenho dito há algum tempo, a história tem se repetido à exaustão. Não há nada de novo debaixo dessa terra – somente corpos empobrecidos e humilhados de pretos e indígenas.
Já vivemos a plenitude, não o auge, do Estado de exceção. O trumpismo e o bolsonarismo, diferentemente do lulismo e do pmdbismo – que são arranjos ortodoxos e heterodoxos acerca do fazer político em meio à sua fisiologia típica de um Estado republicado – são coirmãs, filhos legítimos do nazismo e do fascismo. O que muda é o nome e a roupa. Parecem, aliás, aqueles golpistas clássicos, que se disfarçam de várias formas e por vários nomes, todavia, são os mesmos golpistas, que aplicarão os mesmos golpes.
Quero dizer com isso que a merda já está feita: policiais já não obedecem mais aos Governadores e quando obedecem é para matar gente pobre preta; o genocídio está autorizado; os retrocessos na educação e no ambiente é um fato.
Eu realmente poderia passar a tarde citando as características que não nos deixam dúvidas de que vivemos em um Estado (neo)fascista. Na verdade, eu gosto de me referir a esses epifenômenos autoritários como messianismo às avessas. São distorções do antigo messianismo, que só conserva o nome de Messias, por razões óbvias, mas, que comporta apenas uma exceção do clássico: os perseguidos são absolutamente todos que são contra o Governo, que agora têm o nome de esquerdistas.
Mas, no final das contas – pergunta que ecoa: essa CPI da pandemia vai dar em quê?