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Faça uma lista de velhos amigos que vão sempre se encontrar

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Os amigos e os amores mais íntimos sabem que eu sou devoto de Oswaldo Montenegro. Acerca dos afetos, é, para mim, um dos melhores artistas que já mantive contato à obra. De tudo que ele compôs, duas canções me enchem de emoção, toda vez que as ouço. Canções estas, aliás, que se completam, penso eu.

A Lista é um clássico. Nela, Oswaldo nos convida a pensar sobre velhos amigos, sobre hábitos, sonhos e amores antigos, que já não fazem mais parte de nossa vida. É uma canção que fala sobre mudança. É como se a canção dissesse: “sente aqui, faça uma reflexão sobre a sua história até aqui; inclua suas qualidades, defeitos, sonhos, hábitos, amizades; veja quem fez parte de sua vida e hoje não faz mais”.

Eu tenho essa música como uma ode a amizade. Aliás, alguns amigos já a enviaram para mim como expressão de afeto e eu também assim já procedi. Todavia, há outra canção, essa feita mais recentemente, que parece mesmo completar A Lista. Aliás, ouso a pensar que Oswaldo releu A Lista para compor Velhos Amigos. Pois, é como se ele a tivesse revisitado e pensado: “essa canção precisa de uma continuidade”.

Em Velhos Amigos, Oswaldo já não fala mais em partidas, mas, de encontros e reencontros. É uma declaração de amor. Relativiza o tempo e crava que, quando se quer e se pode, os velhos amigos se encontram, pois, se amam.

A canção fala sobre a vontade de reencontrar os amigos de longa data. Ela suscita em nós, aliás, a vontade de ligar para uma amiga que não vemos há muito e marcar alguma coisa. Quando ouço essa a canção, vos segredarei, eu tenho uma vontade imensa de reunir todos meus amigos, que também são amigos entre si, e dar um abraço coletivo, afagá-los com olhares ternos e sorrisos francos.

Pandemia, pandemia, tudo é pandemia. Nesse período pandêmico, tenho pensado muito sobre as minhas amizades. Tenho pensado bastante sobre as pessoas que tenho perto de mim, as que se mantêm distantes e as que eu me afastei.

Todavia, eu já venho em um frenético processo de transformação. Talvez agora eu tenha me estabilizado um pouco. Dizem que é por conta do Retorno de Saturno. Eu gosto de pensar que é por conta da Idade da Razão. Em todo caso, eu tenho me tranquilizado mais. Como quem toma uma descarga de THC, tenho estado sereno e disposto a ponderar sobre relações amistosas.

Tenho 33 anos: a Idade do Sacrifício. Tenho pensado muito, desde meus vinte e nove, sobre as amizades que perdi por conta de pedras em minhas mãos. Tenho aprendido a viver. E, nesse processo, tenho observado que cometi muitos erros, assim como também erram muito comigo. Aprendi que todo mundo machuca, todo mundo chora – o pessoal do R.E.M estava certo: “everybody hurts, everybody cries”!

Tem um poema que é muito famoso e atribuído a Shakespeare, que fala sobre aprendizagem. Muitos o conhecem por Menestrel. Na verdade, esse poema se chama “Comes the Dawn” (“Vem o amanhã”), de Veronica A. Shoffstall e também é conhecido popularmente nos EUA por “Atfer a while” (“depois de um tempo”) . Ele foi escrito aos seus 19 anos, por ocasião de sua formatura no Ensino Médio. O contexto importa.

Interessante e curiosamente, a versão estendida do poema , isto é, adaptada encontrada na internet, é tão instigante quanto o poema original. Se não fosse a “deturpação” do poema, diria até que é melhor do que o original. “Comes the Dawn” fala sobre aprendizagem, sobre o amanhecer, o desabrochar da vida. A sua versão adaptada vai um pouco mais longe.

Enquanto o poema original fala sobre aprendizagem em si, no contexto de uma adolescente, o “Menestrel”, como a adaptação ficou conhecida aqui no Brasil, fala sobre sabedorias de vida. A impressão que dá é a de que a pessoa que adaptou o texto tinha por volta de seus 55 ou 60 nos, ou mais, e quis acrescentar algumas de suas sabedorias acumuladas com a experiência.

Tem algumas linhas no texto que eu acho muito bonitas, porém, sempre as achei estranhas, apesar de nunca ter admitido para mim.

“Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias… Aprende que não temos de mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam…”. Essa frase é muito bonita, né? Porém, não corresponde à realidade. Digo, verdadeiras amizades não crescem a longas distâncias, ou elas se estabilizam ou permanece somente sua aura. Também não é verdade que apenas compreender que amigos mudam é suficiente para não mudarmos de amigos. Porquanto, há mudanças que quebrantam o sentido da amizade. Todavia, não bancarei o chato. Eu entendi o que o trecho quis dizer e até achei bonitinho.

No mais, o poema original e sua adaptação parecem se complementar, assim como as duas canções de Oswaldo. Na versão original do poema, há uma perspectiva de uma pessoa jovem, já em sua adaptação há, nota-se, uma leitura de mundo de alguém já amadurecido. As canções, já o disse, falam sobre amizades perdidas e amizades eternas.

Ainda que a realidade me traumatize, admito que é meu afã não mudar de amigos apenas porque eles mudam. Porém, no comboio de cordas que é a relação humana, muitas coisas acontecem. Muitas, mesmo.

Erramos tanto com os amigos. Eles erram tanto conosco.  Talvez, não haja uma lista de velhos amigos que vão sempre se encontrar, porém, enquanto houver vida, haverá a possibilidade de reatar relações. Enquanto tivermos fôlego, podemos amar. O perdão é o primeiro passo rumo à cura, a mudança de comportamento é o melhor sinal de arrependimento.

Ainda que os velhos amigos estejam distantes, ainda que nós não mais os encontremos por agenda, temos de ter límpido em nossa mente que nós os amamos e eles nos amam. Às vezes, só a aura da amizade permanece, e isso é tudo que temos.

Mas, esse texto não é uma exortação, um conselho, um poema ou uma reflexão. De certa forma, esse texto é um acerto de contas comigo mesmo. Digo, antes de sugerir algo para você, sugiro para mim mesmo que eu seja mais receptivo. Que eu possa perdoar, assim como muitos já me perdoaram.

Um amigo me ensinou algo muito importante: se um velho amigo te rouba, por qualquer motivo que seja, se ele pedir perdão, perdoe-o.

Se me permite fazer um pedido, rogo para que você, após terminar de ler esse texto, ligue para os seus amigos, os procure, saiba como estão, marque um encontro. Rogo para que você se permita perdoar, rogo para que possa também pedir perdão.

Vivemos dias terríveis. Nosso país está mergulhado no ódio. Parece que fomos contaminados por um vírus do ódio. O espírito maligno se apoderou de boa parte da nação, como se nosso corpo tivesse tatuado com propagandas maldosas irremovíveis.

Muito provavelmente, passaremos por um processo de expurgo e por algumas cirurgias que nos cortarão na carne. Não precisamos de mais ódio, rancor e ressentimento entre nós. Precisamos estar juntos para lutarmos contra as hordas satânicas que em breve surgirão com toda força entre nós. Nossa luta é contra os principados e potestades fascistas, travestidas de meros pontos de vista. Só parece que falo como se fosse um romance, uma história fantástica. Isso é mais que eu desejaria que fosse.

Que nossa tradição afetiva proveniente das matrizes indígenas e africanas se faça presente, que possamos estar unidos contra eles, pois, sabemos, é NOIS POR NOIS e eles por eles.

Precisamos de mais amor entre nós para enfrentar o inverno que está chegando. Já dá pra sentir o hálito do Diabo, digo, de Bolsonaro – um dos capitães–mores do fascismo – na nossa nuca. Um cataclismo estar por vir. Temos de secar água com fogo e com água apagar fogo. Temos de apagar o ódio deles com amor entre nós, e fúria contra eles.

Não sei se acredito na mentira de que o amor está além do bem e do mal, mas que ele é um ato[r] político, ah, isso eu sei que é.

Amizade é um ato de amor. Amor é um ato político. Amizade é um ato político.