No exercício da crítica, o desacordo e o dissenso são inevitáveis. De fato, só pode haver crítica quando existe desacordo, divergência entre ideias e opiniões. Por isso, toda discordância é saudável se almeja-se a discussão e o debate.
Ciente disso, a Carta Potiguar pauta-se pelo cultivo do conflito de ideias, porque nele vemos não só a condição da crítica, mas também a possibilidade de um trabalho recíproco de elucidação e esclarecimento. Bem sabemos que no confronto e embate de palavras e pensamentos mexe-se com algo mais intenso do que simplesmente ideias e opiniões. O calor do debate é, também, produto dos sentimentos, crenças e convicções subjetivas que se imiscuem nas ideias e perspectivas, mesmo daquelas mais racionais. Da exacerbação das primeiras, nasce a polêmica.
O recente artigo “Morte aos Gatos”, publicado por Daniel Menezes na Carta Potiguar, ou melhor, as reações suscitadas são um exemplo flagrante do que ocorre quando as crenças e convicções subjetivas, a polêmica, se sobrepõem à discussão racional e à crítica. Na discussão e no desacordo existe uma ética do discurso que visa preservar a condição sem a qual nenhuma discussão séria e sincera é possível, qual seja: a comunicação. Na ameaça e na violência, não há comunicação, mas apenas acusações, insinuações, rótulos, distorções, deturpações, agressões.
A polêmica aborta a ética do discurso, e, desse modo, extingue a comunicação. Não há como existir discussão ou debate, se os direitos e critérios do diálogo que garantem a abertura dos envolvidos à comunicação e ao diálogo são negados ou subordinados ao impulso cuja motivação é desqualificar e abolir o interlocutor em nome de uma convicção abraçada como essencialmente justa e moralmente superior. Assim, o interlocutor transforma-se em inimigo e da ética do discurso passa-se ao fundamentalismo do discurso.
Diante da virulência fascista e do fundamentalismo de muitos comentários, as prováveis críticas e deficiências do texto “Morte aos Gatos” tornaram-se secundárias. Infelizmente, as críticas sensatas e os contra-argumentos acertados foram eclipsadas pelo desequilíbrio emocional e dogmatismo cego.
Os que dizem ser representantes da vida, da igualdade e do convívio saudável entre os animais humanos e não humanos despejaram, paradoxalmente, ódio, morte e agressões verbais contra o autor, ele próprio, também, não custa lembrar, um ser vivo.
Assim, por meio deste editorial, a Carta Potiguar deseja manifestar sua posição de repúdio a qualquer tentativa de macular e atacar, seja verbal ou fisicamente, aqueles que contribuem com os textos e discussões que este sítio hospeda por motivos que extrapolem o campo das ideias e do debate. E, é preciso ressaltar, esse repúdio não se limita somente aos colunistas, mas estende-se, acreditamos, a todos os nossos leitores. Afinal, a violência apenas nos afasta do debate saudável, plural e ético.
E a nós da Carta Potiguar, editores, colunistas e leitores, importa cultivar neste espaço a livre troca de ideias, opiniões, perspectivas e informações entre sujeitos que reconhecem que o diálogo e a comunicação, por um lado, e o respeito e a educação, por outro, estão acima da intimidação, da desqualificação gratuita e da convicção violenta e intransigente.