Às vezes erramos por agirmos temerariamente – não sei o porquê de confundirem “temerário” com “temeroso” –, às vezes erramos por não agirmos. O segundo caso foi o meu.
Certo dia, em certo local, na cidade do Natal, estava eu junto à praça, fazendo absolutamente nada; fumando meu careta, talvez. À distância de 3 metros de mim, no máximo, vi e ouvi duas pessoas aparentemente amigas conversando. Não estava no modo fofocation on, todavia, consegui ouvi alguma coisa de que conversavam.
A parte que mais me chamou atenção foi quando um homem branco disse, em alto e bom som: “(…) eu sou um homem branco, eu não minto”. Olhei de soslaio, fiquei observando. Virei minha cabeça para ver a reação da mulher, preta de pele clara (distorcidamente chamada de “morena”) que nada fez, senão atropelar a fala com outro assunto.
À época eu não tinha o letramento racial que tenho hoje, porém, isso não me serve por desculpa pela minha inação. Pensei em dizer algo. Refleti rapidamente. Ponderei que era um idoso racista, com idade bem avançada. Pensei, em questão de segundos, no desgaste que isso traria e nos desdobramentos desse confronto, afinal, para todos os efeitos, eu estaria me metendo em conversa alheia. Pelo sim e pelo não, preferi ficar quieto na minha.
Isso ocorreu há cerca de 3 anos. Até hoje esse fato e minha inação martelam minha mente: por que eu não agi, diante daquela expressão de arrogância típica de um homem branco racista? Eu deveria ter agido!
Aquela cena me lembrou um fato que deveria servir para reforçar minha ação, o que não ocorreu. Quando estava na graduação de Filosofia, na UFRN, um professor estrangeiro estadunidense, (feno) tipicamente branco, perdeu um trabalho meu e de um amigo. Ao ser confrontado em sala de aula acerca dos nossos trabalhos, ele simplesmente disse: “eu não minto”.
Veja, ambos disseram praticamente a mesma frase, ambos de países diferentes; o que tinha em comum? Adivinhem: a cor! Com a arrogância legitimada, sem fundamento algum, ousam a sugerir, implicitamente, que estão sempre com a razão, sempre certos, nunca mentem. Se alguém mentiu, com certeza foi um pretinho sujo (pleonasmo), um asiático. Um homem branco… um homem branco jamais mente, mentiria, mentiu ou mentirá.
Não estou dizendo que era pra eu ter agredido fisicamente o racista – sim, não se tratava do racismo estrutural que está em na boca da mídia, era um racismo de alguém que tinha orgulho do que e para quem falava, portanto, era um racista consciente (o que não representa oximoro algum). Entretanto, eu deveria sim ter feito algo. Eu deveria, no mínimo, ter intervido e ter repreendido a fala do racista. Pois, já reprendi “brincadeira” com pessoas pretas – maldito racismo recreativo! Haja vista o grau de consciência desse racista, eu deveria ter agido pontualmente.
Entretanto, fica como lição. Da próxima vez, ah, não haverá uma próxima (vez de omissão).
Ainda que eu entenda que muitas são as vezes que devemos agir em legítima defesa, porque, na prática racista, não atacam somente a mim ou a uma irmã, mas, sobretudo, toda uma comunidade humana; nem sempre temos de nos impor pela força. Às vezes temos de combater uma fala racista com uma repreensão, exortação ou algo do tipo. O que não podemos é nada fazer.
Eu não falei sobre esse fato para me desculpar com o mundo. Eu compartilhei essa experiência porque entendo que não raramente somos pegos de surpresa e, por isso, não agimos – eu não usaria esse fator no meu caso, que fique claro; não agi por cálculo e inexperiência.
Temos de ficar alertas. A surpresa, disse Jesus, é o que gera o vacilo. De acordo com o Mestre, Sua volta se assemelhará a um ladrão que surpreende a vítima na calada da noite.
É isso, a gente tem que tá ligado!