Não foi a pandemia que tirou o sorriso de nossos rostos. Foi todo o descaso com o qual se trata, digo, não trata a doença. A melancolia tomou conta do espírito da nação, que se abateu profundamente.
Ontem, entre uma leitura e outra, ouvi um pedido de ajuda alardeado pelo alto-falante do carro, que me interrompei a escrita. Resolvi prestar atenção ao que estava sendo anunciado.
— Por favor, ajudem um palhaço sem emprego. Eu não tenho condições de me alimentar. Estou passando fome.
Aquele clamor me paralisou as divagações. Resolvi sair de casa para ver o carro passar pela rua. Olhei nos olhos do senhor que estava, simultaneamente, dirigindo e falando ao microfone, e o cumprimentei com um menear de cabeça.
Apesar de ele estar vestido de palhaço, seu espírito performaticamente alegre ali não estava, claro. O que enxerguei foi apenas um homem que se via ultrajado, ao vestir uma indumentária para comprovar que se tratava mesmo de um palhaço; um palhaço que pedia ajuda.
Minha vontade, claro, era ajudá-lo, porém me dei conta que a diferença entre nós, naquele dia, era que ele estava no carro e eu em casa – a faca cortou para os dois lados.
De encontro aos nossos olhares sobreveio a voz de um morador, na esquina da rua:
— Ri agora, palhaço!
Nossa, aquilo foi de uma crueldade nunca antes vista por mim, senão através das práticas facínoras do genocida tropical. Deboche e escárnio a troco de nada. Eis o sulco da pátria que nos partiu.
O homem continuou seu percurso, como se não tivesse ouvido o que o infame falou. Com os olhos marejados, continuou:
— Por favor, ajudem um palhaço sem emprego. Não temos condições de nos alimentar. Estamos passando fome.
Tristes trópicos: uns caçam likes, outros, alimentos.