— Amigo, rola de segunda?
— Claro. Pode ser a morte?
— A morte é que é bom.
— Então vai dar certo.
Qual o fumante da cidade do Natal nunca teve esse diálogo? Se nunca o teve, bom fumante não é!
A relação dos fumantes com seus cigarros é muito interessante. Há os fumantes egoístas, que preferem perder a amizade e a boa vizinhança do que dar um cigarro a alguém, assim como há aqueles que são altruístas.
Há os precavidos, que dividem a carteira meio-a-meio, a fim de poder fazer o cigarro “render”, e há os que são voluntaristas, que saem oferecendo seus cigarros, em busca de “dividir o câncer”.
Há vários tipos de fumantes. A relação que se estabelece com o cigarro é muito particular, muito peculiar. Certa vez, um senhor estava com um maço de cigarros. Eu o vi guardá-lo, quando tirou cigarro um para fumar. Pensei comigo: “é agora, é a hora de atacar”.
— Senhor, pode me dar um cigarro? Perguntei, quase que retoricamente, pois, há um pacto implícito entre fumantes de não negar cigarro, sob pena de começar uma Guerra Mundial!
— Não tenho cigarro, sem pigarrear, disse o senhor.
Eu quase caí para trás. Não estava preparado para aquela resposta. Foi muito inusitada. Eu até quis discutir, mas, era um direito sagrado seu negar o cigarro, afinal. Ainda resmunguei, ensaiei uma briga, mas, sabia que se chegasse a esse ponto eu estaria errado. Meu consolo foi sair com cara de quem reprovara a atitude do senhor, o qual nem se dignou a me dar atenção, numa clara mensagem de: “o cigarro é meu, eu faço o que eu quiser. Compre o seu”.
Apesar de ter sido uma situação atípica, não é raro haver disputa e seríssimos diálogos, sobre cigarros, diálogos esses dignos de reuniões da ONU, . Também, não é para menos, o cigarro relaxa, e é laxante, entretém e, além de inimizade, faz surgir ótimas relações.
Os fumantes do dia a dia, que pouco se reúnem com as pessoas fumantes, conseguem a proeza, se não for um compulsivo, de passar dois, três, até quadro dias com um maço de cigarros. Coisa que nunca consegui, confesso. Esse tipo de fumante não nega cigarros, porque sempre os têm. Porém, toda vez que dá algum cigarro seu a um transeunte pedinte, dá como quem diz: “vou dar, mas é o último. Cada viciado que alimente seu vício”.
Se é um pacto implícito nunca negar cigarros, também o é cada fumante comprar o seu. Tanto é, que em situações como a narrada a pouco, o pedinte sente um constrangimento na alma e só não recusa o cigarro porque já o pediu e porque o viciado fala mais alto. Ele prefere aceitar o cigarro e refletir depois, fumando-o, claro – dane-se a dignidade! –, que ficar na vontade.
Hás fumantes que só fumam a metade do seu get, deixando os godeleiros de plantão indignados, e com razão, diga-se de passagem. Como assim, como pode alguém fumar só a metade do cigarro, quando geralmente se perde o ônibus para não perder a tragada?! Ah, esses fumantes viciados em filmes de Holywood… tratam o cigarro como algo charmoso. Na linguagem memética, são fumantes nutella.
Há os fumantes que perderam a dignidade mesmo. Não têm vergonha de sair catando as bitucas. Eu nunca fui um desses, mas, também nunca os recriminei, nem os julguei. Cada um tem seus motivos e suas motivações.
Sou fumante, me julguem. Outro dia, em uma entrevista de emprego, a possível contratante veio com essa: “nossa, você é tão inteligente e fuma”. Pensei em dar uma resposta à altura, irônica, sarcástica, quem sabe. Todavia, na relação de poder, era eu quem dependia dela e só por isso ela fez esse comentário idiota. Como se minha inteligência fosse para os ares, tal qual a fumaça, por conta de uma tragada!
Hoje em dia, diferentemente dos anos 50 do século passado, um fumante é uma persona non grata, um pária que em nada perde para um dalit em matéria de rejeição. Ah, foi-se o tempo em que o fumante era tratado com respeito.
Hoje em dia, ele mal pode fumar à rua. Em uma conversa sobre este assunto, eu disse, para alguns amigos, que querem que a gente pare de fumar. Um amigo inteligente disse algo profundamente verdadeiro: “eles querem que a gente fume em casa”. É isso, há uma perseguição ao fumante.
Ingratos, todos ingratos: população, que achava chique, Estado, que lucrava horrores com a indústria tabagista, farmacêuticos, que sempre lucravam com nossas tosses; todos ingratos.
Esse mundo é muito cruel. Primeiro, propagandeiam que cigarro é bom. Através de filmes e publicidades, nos convencem que fumar é algo elegante e que pode e deve ser praticado por todos – eu disse, todos. Depois, sem o menor puder, nos dizem que somos despudorados insensíveis que querem se matar e não respeitam o próximo.
Na verdade, talvez agora eu entenda melhor o diálogo com o qual iniciei o texto. É, é isso mesmo, pedir a “morte do cigarro” é o mais acertado a se fazer. Já que querem nos matar socialmente, que morramos fisicamente. Sim, porque viver sem fumar não dá, convenhamos.
Com muita sorte e a coragem de Viramundo, ainda faremos uma revolução dos fumantes, assim como ele fez a dos excluídos (loucos, putas e mendicantes).
Deixe estar. Nosso dia chegará. Hoje somos desprezados, amanhã seremos amados, senão pela população em geral, ao menos pelas funerárias.
Fumantes do mundo, uni-vos!