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BRINCANDO, BRINCANDO, O CACHORRO COMEU A MÃE

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Esta crônica foi veiculada pela primeira vez no Jornal Potiguar Notícias, através da coluna da Ana Paula Campos, em 12 de abril de 2021. Devo dizer que foi a primeira vez que publiquei um escrito desse gênero. Sou muito grato a Ana por ter me estimulado à escrita e, por seu turno, ter me cedido espaço em sua coluna para minha primeira experiência. A crônica que o leitor tem em mãos – ou à vista, se preferir – foi levemente lapidada. Pois, como é comum ao escritor, ao reler seu texto, senti a necessidade de fazer um retoque, acrescendo algo aqui e subtraindo algo ali. Todavia, no geral, a crônica, e seu sentido, permanece a mesma.

Sem mais, passemos à leitura.

Quando lemos sobre as histórias das ditaduras na América Latina, especialmente no Brasil, sobretudo quando escritas por especialistas mais à esquerda, temos a impressão de que a Ditadura se instalou de forma violenta, que houve imediato derramamento de sangue. Porém, não, não é sempre assim que as coisas acontecem. Há uma descrença no ar quando se diz que o país está entrando em um regime autoritário. Me lembro que começamos a pensar sobre esse clima autoritário já desde o golpe jurídico-midiático-parlamentar contra a presidenta Dilma.  

Nesse ínterim, no qual somos acusados de exagerados e paranoicos, as coisas vão acontecendo, os fatos políticos brotam e as pessoas continuam socialmente insatisfeitas. Diante disso, vemos, aqui e ali, alguém dizer, especialista ou “político profissional”, que o “país está à beira de um colapso”, que se não cuidar, “entrará em estado de anomia”, que se a esquerda “radicalizar”, “será preciso fazer o mesmo”. Mas, a descrença no avanço autoritário continua. 

“De repente” – em meio a toda uma tensão político-partidária que lida com um presidente eleito democraticamente e que democraticamente corrói esse regime por dentro, ao estilo clássico de Hitler – uma crise sanitária exige sanidade do presidente. Todavia, é pedir demais, pois, tudo o que ele faz é fruto de uma idiotice sem tamanho, que só pode ter três explicações, e todas são horríveis: ou esse mentecapto faz jus à sua perícia médica de despensa do serviço militar, que lhe imputou “loucura”, ou tudo faz parte de ações meticulosamente articuladas, em nome de uma causa maior, que alguns insistem em fingir que não sabem qual é. Ou, ainda, se trata de ações mais ou menos bem articuladas, mais ou menos atabalhoadas, que contam com a “sorte” (a elite política, econômica e militar) para desestabilizar a nação. 

Às veze, é com sutileza que um país deixa de ser democrático. Nem sempre a ruptura de regime se dá por meio de intervenção militar violenta. Um amigo meu dizia um “provérbio” que, admito, ao ouvir pela primeira vez fiquei estarrecido, escandalizado. Dizia ele: “brincando, brincando, o cachorro comeu a mãe”. Me lembro que eu quase não acreditei no que ouvi. Misturei risos com constrangimentos. Porém, eu o compreendi perfeitamente e acho que esse provérbio cai muito bem em nosso assunto: “brincando, brincando, o Presidente come a Democracia”. 

Esse texto poderia ser um simples apelo direcionado somente ao povo brasileiro, todavia, seria um erro de minha parte, porque o povo, em sua maioria, elegeu um louco-político. Contudo, não se deve confundir, há os “loucos” patológicos, que sofrem psicológica e socialmente, quando não simbolicamente – sobretudo em razão dos estigmas sociais – e há os loucos-políticos, que são os que fazem presepadas políticas inexplicáveis à luz das simples operações racionais e que são, como no caso de Bolsonaro, periciados como insanos somente para ser desgastado politicamente: sim, sim, a terminologia “loucura” é um dispositivo político. 

Não obstante essa realidade desesperadora, não é o caso de apelar para uma intelligentsia. Os intelectuais brasileiros, coitados, são de dar dó. Ou estão sentados em suas poltronas, perquirindo sobre os desejos e as verdades, ou observando mosquitos, etc., ou estão aceitando, letárgica e liturgicamente, o “curso das coisas”. Longe de mim fazer infantis caricaturas, mas, mas…. Talvez os acadêmicos não sejam nossa melhor opção de resistência. 

Podemos contar com os movimentos sociais? Infelizmente, não. Esses, quando geridos por partidos políticos, carecem de visão intelectual para compreender o momento histórico-político pelo qual seu país passa, sendo mais interessante, para seus dirigentes, criar uma massa manobrável que sirva para juntar votos.

Quando os movimentos são mais espontâneos, focam somente em conquistas sociais voltadas para direitos de grupos políticos marginalizados, por um lado, e ficam indiferentes às relações macropolíticas, por outro. Alguns dos que se movimentam pensam que refletir teoricamente “é coisa de esquerdista metido a intelectual que não age” – entendo que, em parte, estão certos. 

Contudo, se é assim, quem poderá nos salvar, Chapolin Tropical? Há quem aposte no “pacto nacional do bem” – com STF, com tudo –, que seria aquele efetivado por lideranças políticas centristas e “demais setores da sociedade civil”, seja lá o que isso queria dizer. Outros, ainda aferrados lá em 1917, sonham com revolução leninista. Alguns preferem cirandar. A ciranda, ai, meu deus, é algo muito gostoso, entretanto, nas horas de entretenimento, de lazer. 

Bem, o que posso dizer é repetir a perversão do provérbio, pedindo que tomemos cuidado, pois, “brincando, brincando, o cachorro comeu a mãe”.