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Os espaços e a convivência

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A vivência

A vivência exige a presença, para vivenciar é preciso estar presente. Mas nem tudo aquilo que acontece quando estamos presentes torna-se uma vivência. Vivenciamos algo que foi significativo, uma vivência é sempre algo que nos muda, nos molda. Construímos quem somos através de nossas vivências, mas nossas vivências não são regidas por um eu, por uma racionalização de quem somos. O ego consolida uma vivência mas não interfere nela no momento do ocorrido. Vivenciamos sem o intermédio de uma consciência racional, um ego, a vivência é mais próxima da paixão. Uma ação tem sempre algo de planejado, intencional, consciente, mas a vivência só é apreendida depois de experenciada. Quando estamos presentes e vivenciamos não representamos nem problematizamos conscientemente esta experiência, apenas a vivemos. Depois transformamos o vivido em vivência quando o simbolizamos e damos a ele um sentido, embora nesta representação sempre há uma perca do vivido. A vivência é mais próxima da paixão pela sua espontaneidade, já a ação envolve alguma intencionalidade, alguma razão.

A convivência

A convivência é a possibilidade de uma vivência compartilhada. Para que se efetive é preciso que as pessoas dispostas a conviver estejam presentes e que essa presença conjunta seja significativa para ambos. Despidos dos códigos normativos que regiam de modo arbitrário os espaços de convivência, passamos a encará-los com temor, de modo mais racional, ponderado. O problema dos espaços de convivência é que neles não há uma convivência, mas uma tolerância. As pessoas não estão presentes diante umas das outras nos espaços de convivência, tornaram-se espaços para vivências pessoais ou de pequenos grupos, ou ainda para acessar espaços de convivência virtual. O afeto do medo permeia as relações nos espaços de convivência, toleramos o outro com desconfiança, mas preferimos a reclusão nestes espaços, o outro é uma presença incômoda, porque é estranha, alheia e desconhecida. Nesse sentido a convivência virtual é mais segura, seus integrantes possuem mais afinidades, porém é menos vívida, porque é menos presente e significativa. O convívio virtual é menos vivo, os espaços de convivência virtual facilitam na mesma medida em que esvaziam as vivências compartilhadas, tornando-as mais superficiais e homogêneas.

Os espaços de convivência

O abandono dos espaços de convivência reflete nossa incapacidade em interagir com outras vivências. Colocamos uma tela entre nós e o outro, que pode ser bloqueado com um toque, por isso prezamos o espaço virtual pela incapacidade de convivermos nos espaços físicos. Nesta convivência intermediada por um algoritmo, uma inteligência artificial, perde-se algo de humano, passional. Mais paixão e menos ação nos espaços de convivência significa ser menos desconfiado e premeditado e mais presente e espontâneo nestes espaços. Não adianta apostar em espaços físicos de convivência sem um esforço para promover uma convivência efetiva nestes espaços. Do contrário os espaços de convivência convertem-se em meros espaços de tolerância, onde suportamos com alguma distância a presença do outro. As normas que regem os espaços de convivência também devem preservar a espontaneidade das condutas e incentivar relações significativas entre os que ali convivem. Garantir a segurança e promover a vigilância destes espaços é necessário, mas não é o essencial. Quando esta vigilância proporciona uma perca de espontaneidade e significabilidade ela deve ser repensada.

Conviver é mais do que sobreviver juntos.