A premiada tragicomédia “A Mulher Monstro”, da S.E.M. Cia. de Teatro, despertou a fúria de bolsonaristas fascistas, que estavam na platéia durante a apresentação da peça em Jaboatão dos Guararapes/PE. O ator José Neto Barbosa, que dá vida à personagem inspirada num conto de Caio Fernando Abreu escrito no regime militar, publicou o relato em suas redes sociais. “Após algumas cenas eis a pedrada. A pedra é lançada para me atingir. (…) A pedra por sorte não me atinge, não explode as muitas lâmpadas dessas domésticas que uso bem perto do rosto. Bateu na grade e caiu”, escreveu. Em julho deste ano, José Neto desabafou também em suas redes sociais sobre a “censura institucionalizada” que peças com teor político vem sofrendo.
Leia o relato completo:
Uma pedrada na minha estreia num circo. Acredita? Me jogaram uma pedra enquanto eu apresentava “A Mulher Monstro” em sua sessão de número 75 em Jaboatão dos Guararapes/PE. Ainda tô digerindo o fato, na verdade. Sempre aconteceu variadas reações, e é normal, estou no domínio delas como ator (ao menos busco e vou estudando pra isso nessa obra) e como encenador sei onde e a forma que estou catucando as monstruosidades. Mas eu não negocio o meu teatro. Quando quero ser direto, ferino e irônico eu sou. Quando quero ser “poético” também, quando quero ser direto, ferino, irônico e ainda “poético” idem. Esse é um espetáculo que incomoda mesmo, e ele não é fácil pra quem assiste e muito menos pra quem o faz. Na plateia um grupo de homens escrotos achando que iriam meramente se divertir ficavam impactados com o decorrer das cenas. Bradavam coisas do tipo…
– Isso é teatro ou é política?!
Outros da plateia respondiam.
– … é teatro e política!
Palavrões rolavam, alguns se levantaram para repreender. Do palco eu via um segurança já se aproximando. Barraco armado. Não me surpreendia, já passei por coisas do tipo entre censuras diretas e veladas, agressões, ameaças, boicotes. Queriam expulsar esses caras e eu disse mais ou menos assim, ainda na personagem.
– Não, eles são meus amigos, vem pra cá pra dentro da jaula!
A fúria parecia aumentar. O bolsonarismo tem legitimado essas agressões, como quem dá o aval para que joguem pedra, batam, matem. E muitas mortes acontecem dentro de nós e por palavras. As cenas continuavam rolando. E eu compreendia que aquelas reações de rejeição fazia parte de um espalhamento revelador.
A fúria parecia aumentar. O bolsonarismo tem legitimado essas agressões, como quem dá o aval para que joguem pedra, batam, matem. E muitas mortes acontecem dentro de nós e por palavras.
Depois descobri que um dos mais revoltados era professor de história, não sei se é verdade, mas isso é preocupante. Ele, quem mais incitava me desestabilizar, não aguentou. Levantou e foi embora. Dói se ver podre, dói se ver apodrecendo, dói se ver numa jaula, dói se ver numa personagem, dói. Fica nú, exposto. Não subestimem e nem diminuam a dor dessas pessoas. Ser da classe trabalhadora e defender a extrema direita radical nesse país é algo degradante. Essas pessoas sofrem e para elas nos cabem emanar bons pensamentos. É inquietante e desesperador pra algumas pessoas que se identificam a tal ponto. Algumas aguentam ficar até o final, outras não, fogem. Umas ficam rindo de nervosas, vias de escape, outras choram e vejo lágrimas, algumas tão silenciosas que só eu que estou no palco e de frente vejo.
Dói se ver podre, dói se ver apodrecendo, dói se ver numa jaula, dói se ver numa personagem, dói. Fica nú, exposto. Não subestimem e nem diminuam a dor dessas pessoas. Ser da classe trabalhadora e defender a extrema direita radical nesse país é algo degradante.
Após algumas cenas eis a pedrada. A pedra é lançada para me atingir. Alguns não admitem que toquem em feridas, ou que os critique por tamanha alienação. A pedra por sorte não me atinge, não explode as muitas lâmpadas dessas domésticas que uso bem perto do rosto. Bateu na grade e caiu. Não sei se todos ficaram até o final. Mas cumpri meu papel. Diferentes eles saíram, por fora talvez não, mas por dentro acredite que sim. Só o fato de se incomodarem tanto, a arte cumpre seu objetivo. Ah, não venham colocar mais responsabilidades na arte. Já basta tantas atribuições, só quem muda alguém é a educação. Precisamos de investimentos na educação brasileira. A arte é complexa, é mais livre e é possibilidade. A arte nos dá a possibilidade de mudança. Mudança é uma escolha atrelada à educação, e no fundo até individual. Uma parte de mim achou a pedrada algo humilhante, não vou mentir. Outra parte de mim disse: continue!
Final de espetáculo: aplausos calorosos, demorados e muita emoção!