Homero Costa
No dia 13 de maio de 2019, foi realizado no Rio de Janeiro o simpósio “Violação de Soberania. O acordo Lava-Jato/Petrobras/Departamento de Justiça dos Estados Unidos” no qual foi amplamente discutido o acordo de leniência, assinado em setembro de 2018, entre a Lava Jato com a Seção de Fraudes da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e com a Procuradoria da República para o Distrito Leste do Estado da Virgínia.
Na apresentação do documento (até então disponível apenas em inglês e disponibilizado uma versão traduzida para o português), afirma-se que “trata-se de uma peça jurídica sui generis no Brasil, que obriga a estatal a submeter aspectos estratégicos da sua gestão à supervisão estrangeira”.
Os termos do acordo é algo inimaginável que ocorresse nos Estados Unidos, no qual uma estatal, com a importância estratégica da Petrobrás no Brasil, se submetesse à supervisão de outro país. Ou, como o acordo possibilita, que seus procuradores entregassem documentos de empresas do seu país, em caso de processos de corrupção contra elas.
O documento diz, entre outras coisas que “a Empresa admite, aceita e reconhece que, sob a legislação dos Estados Unidos, ela é responsável pelos atos de seus executivos, diretores, funcionários e agentes, como estabelecido na Declaração de Fatos anexada, e que os fatos ali descritos são verdadeiros e acurados” e também “admite, aceita e reconhece que os fatos descritos na Declaração de Fatos constituem uma violação da lei, especificamente da Lei de Práticas Corruptas no Exterior”.
O advogado e deputado federal Wadih Damous, além de denunciar o acordo, defende que os responsáveis pela sua negociação, em especial os integrantes da operação Lava Jato no Ministério Público, sejam investigados e punidos criminalmente. Para ele: “O acordo é ilegal e se insere no contexto de entrega unilateral do Brasil, da sua soberania, aos Estados Unidos”.
O que isso tem a ver com Guerra Híbrida, Lawfare e Lava Jato? É que o acordo está inserido numa estratégia mais ampla. Guerra Híbrida é uma guerra não-convencional, que não se vale de tanques e armas. Sua estratégia é outra, é usar a lei em seu favor e o Lawfare é parte dela: é um instrumento de guerra jurídica e no caso específico do acordo, com termos que desrespeitam a legislação e a Constituição brasileira e ameaçam a soberania nacional. Por isso, segundo os participantes do simpósio “deve ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF), sujeito à anulação por suas flagrantes inconstitucionalidades”.
A base legal para investigar os casos de corrupção com jurisdição internacional é uma lei de 1997, Lei contra Práticas Corruptas no Exterior (FCPA), de 1997, que fundamenta o acordo da Petrobras e outras empresas.
. Sobre a chamada Guerra Híbrida, sua origem é nos Estados Unidos e tem como objetivo garantir os seus interesses, a perpetuação da sua hegemonia econômica, política e militar. Tem um caráter geopolítico claro e para o jornalista especializado em política Internacional Pepe Escobar, os países que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foram os seus primeiros alvos.
No artigo “Guerra Híbrida contra o Brasil: o ‘Lawfare’ e o julgamento de Lula (disponível em https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2018/02/guerra-hibrida-contra-o-brasil-o-lawfare-e-o-julgamento-de-lula-por-ilton-freitas/o cientista político Ilton Freitas afirma que “Na América Latina a estratégia imperial da Guerra Híbrida ampliou seu arsenal tático ao lançar mão do expediente da ‘guerra jurídica’, ou o ‘lawfare’, contra as lideranças independentes da região. A resultante do ‘lawfare’ são os ‘golpes de veludo’, que dão uma cobertura aparentemente legal para derrubar a democracia. Por meio do ativismo institucional de setores do judiciário e de procuradores públicos, são promovidas falsas teses a justificarem atentados contra as constituições e contra o estado democrático de direito”.
Carol Proner em sua participação no simpósio relaciona Guerra Híbrida e a Lava Jato e afirma que acordos como o que foi assinado (e denunciado no simpósio) faz parte de uma estratégia mais ampla dos Estados Unidos, que aproveita contratos de leniência como “atalho” para intervenção geopolítica e conquista de vantagens econômicas, e que não visa apenas a Petrobras (ela faz referência a acordos similares que “estão sendo firmados ou em fase de elaboração com Odebrecht, Embraer, bancos públicos, Eletrobrás”).
Quanto a Lawfare diz que se insere na instrumentalização da lei com fins políticos e também para combater os movimentos democráticos e não é apenas no Brasil. Ela afirma que na América Latina, a forma como se dão as investigações de corrupção tem se repetido como o modelo de delações premiadas: “Estudos da ABJD sobre o lawfare como veículo de combate às esquerdas e ao progressismo latino-americano apontaram ofensivas na Argentina e no Equador, mas também assédios em relação à Bolívia e outros processos, não só com alvos estritamente partidários, mas também contra movimentos sociais latino-americanos, que têm sido perseguidos pelo ativismo judicial inspirado em uma ideia genérica de corrupção e de malfeitos na gestão pública. Um intervencionismo comandado de dentro dos órgãos de Estado dos EUA”.
O jornalista Luis Nassif, participante do seminário, escreveu um artigo em que mostra as relações da Lava-Jato com o Departamento de Justiça Norte-Americano (“Como o Departamento de Justiça dos EUA preparou a Lava Jato e cooptou a Justiça brasileira”) o qual inicia se referindo a um evento da AJUFE (Associação dos Juízes Federais), financiado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, como “uma continuação do Projeto Pontes, que transformou definitivamente a Justiça e o Ministério Público Federal em instrumentos de disputas geopolíticas”.
Para ele: “Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks, que descreve com previsão como começou a Lava Jato” e se refere ao período de 4 a 9 de outubro de 2009, quando “foi montado seminário similar no Rio de Janeiro, com o título ‘Crimes financeiros’, bancado pelo DoJ, com a participação de juízes e procuradores de cada um dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, mais de 50 policiais federais e mais de 30 procuradores, juízes e policiais estaduais. Participaram também membros do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai. Foi um seminário de uma semana, sob o álibi genérico de combate ao terrorismo”.
Este foi “o primeiro evento do Projeto Pontes, cuja missão era consolidar o treinamento das polícias para a aplicação da lei bilateral (…) O treinamento foi amplo e prático, incluindo a preparação de testemunhas. Nas conclusões do seminário estava a necessidade de, no futuro, as investigações se basearem em forças tarefas, como maneira mais efetiva “de combater o terrorismo no Brasil” e que “Ao conferir a juízes e procuradores o “abra-te Sésamo”, a informação provinda dos serviços de espionagem eletrônica americano, que lhes garantiu poder, glória e um protagonismo político inédito, teve com uma de suas conseqüências “a destruição de parte relevante da economia brasileira, desmonte do sistema político e das instituições democráticas, permitindo à Lava Jato se tornar sócia do poder, através de seu aliado Jair Bolsonaro”.
Um dos problemas apontados por Carol Proner nesse processo é a participação do Ministério Público, porque a intermediação desses contratos, de acordo com a mesma lei, é do Ministério da Justiça e não do Ministério Público para quem “Não há poder de celebrar tratados por parte do MP federal. Isso é absolutamente ilegal e inconstitucional (…) ainda mais aqueles tratados que geram ônus, compromissos gravosos e onerosos ao patrimônio nacional. Só do acordo com a Petrobras são mais de R$ 7 bilhões; mais ainda no da Odebrecht. Por isso, os acordos teriam que passar pelo Congresso”.
A iniciativa do MP na avaliação de Whadir Damous só tem se justificado porque “há uma ideologia que perpassa tudo, uma tomada de decisão política: se é contra corrupção, vale, porque tem o apoio da opinião pública e a blindagem da mídia” e além de denunciar o acordo, defende que os responsáveis pela sua negociação, em especial os integrantes da operação Lava-Jato no Ministério Público, sejam investigados e punidos criminalmente: “O acordo é ilegal e se insere no contexto de entrega unilateral do Brasil, da sua soberania, aos Estados Unidos”.
As conseqüências desse processo são danosas para o país. Segundo Carol Proner “estudos apontam que a Lava-Jato foi responsável pela destruição de 2,5% do PIB, com desemprego direto e indireto de milhares de pessoas. E que no campo econômico “percebe-se que a Lava-Jato destruiu a cadeia de petróleo e gás, a tal ponto que as vendas das reservas do pré-sal aconteceram de forma aviltante para o país, humilhantes, solapando também setores da construção civil pesada, comprometendo projetos estratégicos na área de defesa, entre os quais a construção do submarino”.
A recente divulgação do site The Intercept Brasil evidencia os interesses políticos Lava-Jato e também dos Estados Unidos, tanto em relação ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff como pelo julgamento, condenação e prisão de Lula, inviabilizando sua candidatura, quando liderava todas as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2018. Como parte desse processo, a nomeação do juiz Sergio Moro para o ministério da Justiça expõe a forma como se deu o ativismo judicial ou, de forma mais ampla, a judicialização da política.
No simpósio, uma das questões relevantes foi o que fazer? Como reagir em defesa da soberania nacional? Uma das respostas tem um aspecto central que é o de “Informar a sociedade sobre as manobras do lawfare, denunciar os acordos de leniência, investigar crimes cometidos pela Operação Lava-Jato e punir seus responsáveis.