Search
Close this search box.

Nem presidencialismo nem parlamentarismo?

Compartilhar conteúdo:

Homero Costa

No artigo Mudança para o parlamentarismo ganha força entre congressistas publicado no Correio Brasiliense no dia 16 de maio de 2019, Bernardo Bittar afirma que o senador José Serra está colhendo assinaturas (em segredo) para um projeto para aprovação do parlamentarismo “Aproveitando o desgaste do sistema presidencialista, parlamentares tentam lucrar com a crise e instituir um modelo de governo que empodera ainda mais o Congresso Nacional. O parlamentarismo, sistema rejeitado pela população duas vezes e discutido durante a reforma política proposta pelo ex-presidente Michel Temer, voltou a tomar os corredores do Legislativo. Com as derrotas do governo, o PSDB ressuscitou o tema. Nesta semana, o assunto voltou a tomar conta das altas rodas tucanas, que vêem na fragilidade do governo Bolsonaro o momento propício para retomar a mobilização”. (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/05/16/interna_politica,755427/mudanca-para-o-parlamentarismo-ganha-forca-entre-congressistas.shtml).

Uma matéria publicada na revista Carta Capital (edição 1055 de 22 de maio de 2019) também se refere ao tema. Afirma-se que há um ensaio na Câmara dos Deputados para o chamado de “parlamentarismo informal”. A ideia é a de que com o governo sem apoio consistente no Congresso Nacional e a necessidade de se votar em projetos relevantes para o País, o objetivo seria o de colocar em votação uma extensa agenda, especialmente a que parece ser a única proposta do governo até agora: a polêmica reforma da previdência.

Segundo matéria o “Parlamentarismo formal e informal avança no Congresso (…) no Senado há conversas e negociações sobre a instituição formal do parlamentarismo como sistema de governo e que entre os deputados, Bolsonaro foi colocado de lado enquanto se parte para um parlamentarismo informal” https://www.cartacapital.com.br/politica/parlamentarismo-formal-e-informal-avanca-no-congresso/

Desde o inicio do mandato as relações do presidente eleito com o parlamento não tem sido das melhores. Uma matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo por Raquel Landim no dia 5 de abril de 2019 mostra a insatisfação com o governo inclusive de grandes empresários, afirmando que “cresceram as articulações de grandes empresários junto a líderes do Congresso, que buscam isolar Bolsonaro e implementar um ‘parlamentarismo informal’. Segundo a matéria “Nas últimas semanas, cresceram as articulações diretas dos grandes empresários junto aos principais líderes no Congresso, com destaque para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para instituir um parlamentarismo informal. O objetivo é viabilizar a reforma da previdência e na seqüência, a reforma tributária e isolar o presidente Jair Bolsonaro (PSL), deixando o titular da Economia, Paulo Guedes, como uma espécie de “primeiro-ministro”. (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/raquellandim/2019/04/empresarios-buscam-isolar-bolsonaro-e-implementar-parlamentarismo-informal.shtml).

O episódio mais recente que expõe as dificuldades do presidente com o Congresso Nacional foi um texto compartilhado por ele no dia 17 de maio de 2019, no qual fica claro a tentativa de,  mais uma vez,  acuar o Congresso se referindo ao que chama de “velha política”. No texto, culpa-se os parlamentares pelas dificuldades do governo,  o que parece evidente indispõe mais do que contribui para se chegar a algum consenso. O texto, publicada no dia 11 de maio de 2019 em rede social por um filiado do partido Novo e replicado em outros grupos de apoio ao presidente, afirma que o presidente está “sofrendo pressões de todas as corporações, em todos os poderes”, que o País “está disfuncional” e que “até agora (o presidente) não fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou”.

De fato, o presidente acumula uma série de derrotas no Congresso. Exemplos recentes foram à convocação do ministro da Educação ao plenário da Câmara para explicar os cortes dos recursos das universidades, as mudanças feitas pelos parlamentares no texto de reestruturação do governo e a aprovação por uma comissão mista da retirada do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do ministério da Justiça para o Ministério da Economia.

A questão é: este é o momento e o cenário propício para a discussão do parlamentarismo?  Um momento em que houve um debate mais consistente sobre o tema foi por ocasião do plebiscito de 1993 sobre sistema e formas de governo. Muitos debates, dentro e fora do parlamento, artigos, ensaios, livros etc., defendendo posições distintas. No plebiscito ganhou, com larga margem, o presidencialismo e o tema do parlamentarismo voltou à tona sempre em ocasiões de crises (o mesmo PSDB que hoje o defende e toma a iniciativa, não fez o mesmo quando o presidente era do seu partido, Fernando Henrique Cardoso, revelando seu oportunismo).

Em março de 1993, portanto antes do plebiscito (dia 21 de abril), a revista Novos Estudos CEBRAP (n.35) trouxe um dossiê parlamentarismo-presidencialismo, com artigos de Giovanni Sartori, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Luiz Felipe de Alencastro, com três visões distintas: nem parlamentarismo nem presidencialismo de Giovanni Sartori, uma defesa do parlamentarismo (Maria Hermínia Tavares) parlamentarismo: em defesa da mudança e uma defesa do presidencialismo: Presidencialismo, história e democracia no Brasil, de Luiz Felipe Alencastro.

O artigo de Giovanni Sartori Nem parlamentarismo nem presidencialismo discute algumas alternativas naquele contexto. Inicia com uma crítica ao presidencialismo. Na sua avaliação, numa visão de conjunto dos sistemas presidencialistas no mundo “excetuando o exemplo norte-americano, o desempenho dos países governados por presidentes são bastante ruins, alimentando a suspeita de que a raiz desses problemas políticos resida no próprio presidencialismo”.

Nesse sistema um dos problemas é como se constitui maioria para garantir a governabilidade. Para ele, para obter maioria “temos a institucionalização do estilo político pork barrel” (termo norte-americano para festim e doações com a finalidade de comprar votos). Esta parece ser uma prática recorrente e não apenas no Brasil, naquele contexto e depois dele.

Ao se referir ao Brasil e os países presidencialistas na América Latina, questiona se uma mudança para o parlamentarismo seria a solução porque na maior parte desses países não existem partidos adequados ao parlamentarismo e “falta muito para desenvolvê-los”. E para ele, o Brasil expressa isso claramente:  “é difícil encontrar um país que seja tão antipartido quanto o Brasil, tanto na teoria quanto na prática, um país com um parlamento fragmentado (e aumentou muito desde a publicação do artigo), partidos voláteis e no qual “o presidente fica boiando num vácuo, sobre um parlamento incontrolável e eminentemente atomizado”.

Para Sartori, a cultura e a tradição política alimentam a formação de partidos inadequados ao parlamentarismo. E assim sob tais circunstâncias a probabilidade de uma experiência parlamentarista conduzir o Brasil do caos para algum tipo de governo parlamentarista eficaz é das mais remotas. Para ele a democracia parlamentarista não pode funcionar a não ser que seja servida por partidos adequados ao parlamentarismo que ajam de forma coesa e disciplinada, que não é o caso do Brasil.

No artigo, ele defende de modo “condicional” uma solução mista, nem presidencialismo puro, nem parlamentarismo puro, mas um sistema misto, com eleição direta para presidente e a eleição de um primeiro-ministro pelo Parlamento, sempre sustentado com seu voto de confiança e salienta que eleição direta por si só não proporciona as salvaguardas ou a proteção contra uma eleição desastrosa na qual um candidato portador de promessas de campanha de cunho populista e demagógica tenha sido eleito.

Afinal, parlamentarismo, presidencialismo ou um sistema misto (semipresidencialista ou semiparlamentarista)? Não é uma saída fácil, especialmente no Brasil e no momento atual. Em março de 2016, num momento de profunda crise política, o Senado aprovou a criação de uma Comissão Especial para debater a implementação de um sistema de governo alternativo como tentativa de resolver a crise que paralisava o país.  Para seus articuladores a idéia era apresentar um projeto de um modelo similar ao que existe em Portugal e na França, ou seja, um semipresidencialismo, no qual o presidente continuaria a ser eleito por voto popular e teria mais poderes do que num regime parlamentarista puro e menos poderes do que no presidencialismo.

Como justificativa, pretendia-se assegurar um modelo em que os problemas típicos do presidencialismo de coalizão seriam amortizados com a experimentação de um novo arranjo, que permitiria a resolução das principais fontes de instabilidade política dos governos. A proposta que deveria ser submetida a um referendo simplesmente ficou engavetada. Sequer foi votada.  Sistema misto pode até ser uma boa solução e há experiências nesse sentido, como aos países citados, que se não livraram seus países da possibilidade de crises, como a que ocorre atualmente na França, tem se revelado talvez mais consistente do que as experiências do presidencialismo, especialmente na América Latina, mas esta não me parece ser a alternativa possível hoje no Brasil e sim a continuidade do presidencialismo de coalizão, com todos os seus desdobramentos.