Por Leonardo Domingos Braga da Silva – Estudante de Bacharelado em Ciências Sociais
Leitores,
Sei que muitos de vós não apreciam especulações, ao contrário, apreciam uma boa prática; entretanto, num assunto como educação, o que pode ser maior sinal de impotência do que a ação (sempre já precipitada)? Assim, venho especular e propor praticas diferentes para a impossível tarefa da educação. Se digo pouco, é por julgar mais importante repensar o ensino, do que agir. Precisamos debater esse assunto, para isto os convoco!
É já sabido que nos encaminhamos para aumento crescente de desemprego, pois o avanço dos meios de produção retiram a necessidade de trabalho humano. Logo mais, algorítimos e Inteligências artificiais tornarão supérfluos mesmo trabalhos especializados de nível superior, (como já é o caso do trabalho de contador, que em grande parte pode ser feito por máquinas); não estamos todos familiarizados com o Google tradutor? Aos poucos, ele tem se aperfeiçoado e conseguido traduções cada vez mais precisas. Isso sem falar em máquinas que limpam nossa casa (a diminuição do espaço doméstico, as máquinas de lavar, aspiradores e outros artifícios tornam cada vez mais desnecessário empregados domésticos)… Mas, acima de tudo, o trabalho mais essencial, aquele imprescindível, aquele que gera comida, máquinas (para produzirem para nós) e energia, têm empregado cada vez menos; ainda que as agriculturas familiares nos forneçam grande parte da alimentação. O que podemos antever é a a trivialidade do trabalho, e não apenas no sentido do desemprego, mas também do aumento do emprego relativamente inútil (dar banho em cachorros, lideranças religiosas, manicure, recepcionista de academia, serviços sexuais, artistas, youtubers, intelectuais como nós [it’s a joke]; trabalhos prescindíveis; coisas que podemos fazer sozinhos ou com máquinas). De outro lado, o emprego do momento é nas indústrias da informação-tecnologia, onde o diploma não é o mais importante, mas antes seu ‘Know How’. Esse acontecimento nos abre para uma nova fase de sociedade e, por que não, de universidade. Facilmente podemos nos precipitar num otimismo como o do manifesto comunista de Marx, e vermos a libertações num lugar de onde elas não virão. Entretanto, ainda que não tenhamos políticas para uma sociedade de ócio como a renda mínima e uma revolução cultural (para aprender a lidar com ócio para além do consumo pós-jornada-de-trabalho), uma nova organização universitária é possível desde já, senão para todos os cursos, ao menos para uma parte. E justificativa para uma universidade não preocupada com o trabalho e que ainda seja pública e gratuita, é que a própria sociedade como um todo deve se adaptar ao fim do trabalho como centro da vida individual e coletiva; pois, como demonstrado acima, a possibilidade para o futuro é um jornada de trabalho cada vez menor e o tempo para os hobbies cada vez maior. E o que falta para isso? Decisão coletiva.
No que toca ao tema da universidade, a parte que me cabe neste assunto são os cursos de ciências humanas. Desconsiderarei as justificações da importância do estudo por si só (descompromissado ou compromissado apenas com o esclarecimento), isto é uma premissa básica de uma sociedade civilizada moderna. Parece-me, em primeiro lugar, que o desejo e a formação do estudante devem estar no centro da atividade de educação; na medida em que toda educação é auto-educação não se obriga ninguém a aprender, ao menos que com isso entendamos ‘memorizar’ (decorar conteúdos). Não obstante, não é assim que nossos cursos têm funcionado? Memorizando? E não sentimos todos uma insatisfação, uma sensação de que poderíamos aproveitar melhor o espaço da universidade? O professor tem de ensinar o que julgar (ele e o saber que representa) que pode vir a ser (quiçá um dia) útil para o profissional-aluno; e o aluno deve submeter seus interesses particulares ao saber autorizado a lhe moldar. Esse processo pode ter vantagens, como o fato de o aluno descobrir novos interesses e problemas. Entretanto, podemos manter o que há de proveitoso no modelo atual e de quebra ganhar novos lucros com uma mudança.
Entramos em salas de aula e passamos quase 4 horas sentados ouvindo aquilo que alguém que passou por um rito de instituição (e com isso entendam que há um nível de contingencia em toda investidura simbólica, afinal, sabemos bem que há professores burros, loucos, e outros que não conseguem ensinar o que sabem). Em minha experiência, me deparei com muitos textos irrelevantes e muitas horas desperdiçadas em sala de aula. Na era da internet, podemos facilmente assistir aulas e palestras de diversos grandes professores e intelectuais do mundo; conforme nosso interesse. E não sabemos todos nós, por experiência própria, que aquilo onde nosso interesse está envolvido implica necessariamente em maior absorção do conteúdo? E que, ainda que o conteúdo selecionado pelo professor seja utilíssimo na formação do estudante, não havendo interesse, por mais que se estude, com o passar de um ano (em geral menos), já nada sobrará do que foi estudado. Nossa memória é seletiva e se não é para lembrar, para que se esforçar? Nesta altura poderão me dizer que o estudante que se matricula num curso ‘X’ tem de ter interesse por ‘X’; mas essa falácia é fácil de criticar: um curso tão vasto quando Ciências Sociais, que envole três áreas distintas e diversos temas de estudo, com pode agradar a todos?
Qual é então, a maior função do professor? Além do lugar-comum de que é um instigador do percurso do estudante (exercendo crítica e levando o estudante além de seus limites momentâneos), podemos dizer que é um suporte para o estudante, suporte de reconhecimento : dizer que “está indo bem”, ou que “está indo mal”, que pode se juntar a casta dos acadêmicos, e diversos assuntos ditos ‘pessoais’, são extremante importantes na vida de estudos (sobretudo para as minorias sociais).
Então, identificamos facilmente dois problemas iniciais: Excesso de exposição à contingencia da sala de aula (professores ruins), cuja resolução obvia é diminuir o tempo em sala e aumentar o tempo em biblioteca. E o segundo problema resulta de tentar pôr em prática o respeito ao desejo: como conciliar o desejo dos professores e o dos alunos? Vejo, à princípio, a impossibilidade de continuar com o modelo “Fábrica”, onde os ‘alunos’ (sem luz) vêm para serem moldados segundo uma mesma forma pensada para sua utilidade social futura; obviamente alunos não podem ser pensados apenas como ferramentas na odisseia da racionalidade técnica impessoal dominadora (e destruidora da natureza) que chamamos de ‘Desenvolvimento’, (único valor ocidental?). Para isso, suponho ser necessário o professor possuir diversidade de fôrmas; uma para cada ocasião, para cada tipo de estudante. Parece-me que seguimos mais propriamente o sentido da educação conforme a “formação” do estudante (e não do profissional) dando tempo para o aluno fazer seu próprio percurso, ou seja, não o enchendo de quantidade de textos, mas de qualidade: que o aluno leia bons textos e lhe sobre tempo para ler o que seu interesse pedir. Mas esperemos um pouco para resolver esse problema.
Minha primeira proposta especulativa: abolir a prática de diplomação. Sem ela, nossos cursos poderão adotar o elitismo que sonhamos, poderão ter rigor, ou mesmo o oposto; liberdade para professor e aluno. Por conseguinte, imagino os professores podendo oferecer a disciplina que quiserem e os alunos se matriculando e cursando a que querem e conforme podem; Sem uma linha de chegada, cada qual conforme sua necessidade e sua capacidade.(Quanto a questão das vagas dos cursos: que os cursos fossem absolutamente abertos para qualquer um, é desejável; mas, na medida em que o vínculo com a universidade existir, implica em cuidados para a permanência estudantil que não podem ser indefinidamente ampliados; logo, temos um limite de custo nas vagas). O que não abole a proposta de um “percurso curricular” (frase mais agradável que “grade curricular”, quem queremos prender?) e uma carga mínima de disciplinas inciais imprescindíveis. Claro que surge o problema de “até que ponto é esse mínimo”, sugiro que um ano de formação pode ser suficiente para que o estudante comece a construir seu próprio percurso, sempre podendo consultar o percurso sugerido pelo departamento. Qual a duração destes cursos? indefinida, não há ponto de conclusão (ainda que prazos máximos, por mera questão financeira dos custos da permanência estudantil, possam ser ofertados) pois não há diploma; o que não impede emissão de certificados e históricos acadêmicos do estudante.
Podem agora contra-argumentar que são mudanças de detalhes que na prática deixa tudo quase como já está, mas acredito que exatamente uma mudança formal é suficiente para estimular novas práticas. Ao que me parece, neste modelo o professor poderá ser fiel em suas avaliações, dar a nota que achar que cabe, dar o conteúdo que achar que cabe, e não fazer avaliação, se achar que cabe; pois a avaliação perderia qualquer peso que não fosse moral. Neste modelo, as ‘faltas’ serão pouco relevantes (ainda que se possa ter um mínimo de presença como 50%), e os estudantes que julgarem não ser útil estar em sala de aula, poderão faltar. Aquilo que é ‘necessário’ que o aluno aprenda, se mostrará em seu percurso, no próprio tempo lógico do aluno; e então poderá ser mais relevantemente abordado pelo professor, exatamente no momento propício de um percurso e não no momento enfadonho de uma grade. Só nos livrando das grades é que podemos ser professores melhores no futuro. Na educação básica já se fala em revolucionar o modelo educacional, e experiências como a famosa escola da ponte tentam inovar; mas não é apenas o ensino básico que está caduco, é também o superior, e talvez exatamente o fracasso do último seja a causa do fracasso do primeiro (o é ao menos na medida em que não conseguimos reinventar o sistema de ensino).
Claro que alguns dirão que fazemos aqui uma abertura para uma formação caótica, e estou de acordo se disser que é o caminho para o Erro. É exatamente isso, não se pode começar pelo acerto (diz Hegel). E quero lembrar-vos da fala de Adorno em seu “Introdução à Sociologia”, parafraseando: não há caminho certo, não há compreensão gradual dos conteúdos, o que há é construção fragmentária e súbita compreensão; tal é a natureza do estudo em Sociologia. Portanto, o que há é o Erro, a Errância; o tentar e se frustrar, mas recomeçar, tentar por outras vias, por outras áreas, etc. E nesse interminável processo, na geração e corrupção de interesses acadêmicos, em cada momento evanescente descobrimos verdades e falsidades; isso se chama aprender, ou estou enganado?
Se me permitem um pensamento final, uma incursão psicanalítica (certamente cheia de erro e equívoco de minha parte): aquilo que estou propondo é sair do discurso Universitário (que é o mesmo do Burocrático), para um discurso mais parecido com o Histérico (conforme Slavoj Zizeck: a posição de Sócrates, Hegel, Lacan; ou seja, onde o sujeito questiona o Outro); isto é, ao invés de um Saber autorizado (campus conforme Bourdieu) agir sobre um pedaço de carne (aluno) e produzir um sujeito (assujeitado), sem que se tenha clareza do que faz agir esse saber; poderíamos dar mais espaço para um modelo de laço social onde o Sujeito (inquieto, errado-errando, falho) age sobre tudo aquilo que faz mover e que o faz se mover, para questionar, para não aceitar um lugar imposto e com isso, só então, produzir o Saber.
Queremos produzir sujeitos (assujeitados) ao saber ou sujeitos produtores de saberes?