O ano era 1985. O grupo de rock brasileiro barão vermelho terminava de forma apoteótica a sua apresentação no festival, e um entusiasmado Cazuza,enrolado na bandeira verde amarela, anunciava a todos os brasileiros a sua esperança para que um dia “nasça feliz a todos os brasileiros”. O momento foi histórico e contagiante. Afinal, estávamos chegando ao fim de uma ditadura de vinte anos e esse era um desejo comum a quase todos os brasileiros:O de Liberdade.
Eu tinha sete anos de idade. Não sabia ainda o que era ditadura, a não ser quando perguntava alguma coisa a meu pai e ele me respondia de forma estúpida a algum simples questionamento meu, ou quando me proibia de fazer algo como ficar na rua até as oito horas da noite brincando com outros garotos, ou quando tentava me fazer entender que as falas do ministro da fazenda, Delfim Netto, eram mais importantes do que os desenhos animados dos quais me privava.
Certamente eu também não entendia as nuances daquela música do Cazuza, com versos como procurando vaga, uma hora aqui, outro ali, no vai-e-vem dos teus quadris – mas sentia aquela energia do discurso, e achava – não sabia bem o porquê-que ali havia algo de bom. Como também a imagem de uma multidão se abrigando da chuva, embaixo de uma enorme bandeira verde e amarela, transmitia-me a mesma coisa.
O sonho acabou, diria John Lennon, o que durou mais menos uma década. Aqui, por essas bandas, foi bem menos.
Cinco anos depois, bem longe daquela imagem garotão zona Sul, o Cazuza morria de AIDS,em 1990 –assustando a todos- sem antes ter dado uma cuspida na mesma bandeira verde e amarela-aquela, a qual esteve enrolando-a inflação ia às alturas e o Chico Mendes, defensor da floresta amazônica, era assassinado.
Meu pai, assim como muitos, ficou puto com a atitude do herói em relação à bandeira. Nunca esqueci. Se fosse na época da ditadura aquele viado tinha levado um pau! Por essa época, descobri que levantar “bandeiras” pode ser muito complicado.
Cazuza, afirmou depois em entrevistas, justificando sua atitude perante a nossa bandeira, que fora inspirado nos jovens estadunidenses, que queimaram várias de suas bandeiras, em protesto quanto à guerra do Vietnã.
O escritor norte americano Henry Miller, em um de seu livro, Pesadelo refrigerado – termo que ele usava para definir seu próprio país- em um dos trechos, afirma ” que quando os ricos hasteiam bandeiras nesse país, é porque são patriotas, quando são os pobres, é sinônimo de revolução”.
A bandeira brasileira foi criada em 1889. E diferente do que queria fazer crer o meu pai, quando o indaguei a respeito da nossa bandeira, o verde não pertence “as matas”, nem o amarelo “às nossas riquezas”. Mas sim as cores dos brasões das famílias Bragança, de Dom Pedro I, e Habsburgo, da família da arquiduquesa da Áustria, Dona Leopoldina.
O lema na faixa “Ordem e Progresso” foi inspirado no tema do “positivismo”, corrente filosófica bastante popular no período, criada pelo filósofo francês Auguste Comte.
Mas, para meu espanto, descobri também que tiraram “o amor” da bandeira, do seu original-Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta- acho que não pegava bem a palavra “amor” na bandeira da república nascente, mesmo que ainda fosse em 1889.
Hoje, desfilando pelas ruas, vejo uma multidão de bandeiras verdes e amarelas.E por aqui, salvo em época de copa do mundo, ostentar o “verde e amarelo”torna tudo perigoso- a história nos mostra.
Pela manhã, li que um travesti havia sido esfaqueado até a morte, no Largo do Arouche, em São Paulo. Penso no dia em que um viado possa desfilar enrolado nessa bandeira novamente, que possa também demonstrar o seu orgulho. No dia em que, enfim, o amor retornará.