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As Eleições 2018 e a Espessura da Utopia que nos Convém

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Por Igor Gacheiro

(Prof. Sociologia do Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Norte – IFRN)

A menos de um mês do primeiro turno das eleições para presidente, mais uma vez estamos diante de uma polifonia nem tão “poli” assim. Os candidatos que de fato podem ser eleitos se dividem em dois grandes blocos programáticos: um é composto por Alckmin, Marina Silva e Paulo Guedes; outro é composto por Ciro Gomes e Fernando Haddad. Enquanto o primeiro bloco segue a cartilha de Friedman, Hayek e Malafaia, o segundo segue a cartilha de Keynes e do endêmico “patrimonia-populismo” brasileiro. As narrativas que constroem as marcas de cada um desses blocos buscam capturar a atenção e a simpatia dos eleitores através da “doxa” protetora dos valores individuais e através da “doxa” do governo do menos pior.

Essa velha ortodoxia nos instrui (perniciosamente) a pensar que nada nos resta senão a resignação política. Aliás, nessa eleição o voto em qualquer candidato atesta de alguma forma algo como uma resignação. Ou é possível acreditar que quem vota desejando o extermínio dos “bandidos”, num bang-bang descontrolado, vive sob a lúcida expectativa de um dia morar no paraíso? Do mesmo modo, o voto no “menos pior” (que até 2016 era o voto na coalizão entre “esquerda” e PMDB, e hoje é o voto na coalizão entre “esquerda” e alguma coisa com a cara de José Rainha e alma de Flávio Rocha) é um voto, a cada pleito, mais niilista.

Voltando às narrativas que caracterizam os programas dos presidenciáveis, é preciso apontar que, além de capturar ideologicamente os eleitores, elas, justa ou contrapostas, revigoram um certo “fascínio republicano” dos intelectuais que criticam a disputa. É como se o modelo democrático fundado sob a égide do desbravamento burguês da França fosse incontestável. É como se vivêssemos definitivamente fadados a escolher por subsistir no “mínimo civilizado” ou morrer nas mãos do barbarismo. O Regime Democrático Burguês parece cada vez mais impenetrável à moral daqueles que um dia vislumbraram a concomitância entre sua superação e a superação do capitalismo.

Os governos sul-americanos da primeira década do século XXI, ditos “governos de esquerda”, serviram como uma resposta aos intelectuais progressistas brasileiros que esperavam ter uma centelha de esperança após o declínio total do regime soviético. O flagelo produzido durante as ditaduras na América do Sul e a pujança da trama neoliberal, que nos enfiou goela abaixo um programa econômico genocida na década de 1990, foram suplantados por esses governos, e esse jogo de perdas e ganhos foi preponderante para que a compreensão acerca do que de fato importava (a superação das desigualdades sociais seguida do rompimento abrupto do sistema capitalista) se transformasse na compreensão do que de fato teríamos que aceitar: uma estampa borrada do Welfare State. As ditaduras e o radicalismo neoliberal, seguidos pelos governos conciliadores de classe, foram tão eficazes a ponto de proporcionarem o escoamento da utopia, o escoamento da esperança na luta contra os patrões e, ao mesmo tempo, a traduziram como a luta pelos valores da representação partidária.

Enxergaremos melhor a vida se escalarmos as paredes desse calabouço imoral. A diluição gradativa da utopia de viver numa sociedade sem a exploração é conferida pela crença de que o voto pode resolver algum de nossos problemas. Mais do que isso, essa crença outorga nossa honestidade à putrefação, já que legitima a consagração do “voto útil”, que de tão útil permite a Romero’s Jucá’s, Renan’s Calheiro’s e Jaires Bolsonaro’s decidirem o destino de milhões de trabalhadores pobres. É tentando escalar as paredes do calabouço que essa crença nos imputa que solidificaremos nossa expectativa e recrudesceremos a unidade contra a alienação, que nos importuna, nos intimida. É preciso que nos permitamos à obstinada e tão humana defesa de uma vida que se afaste do “não adianta, sempre foi assim”. Nessa defesa, é imprescindível que tenhamos consciência de que a eleição (essa que pode eleger nazistas) é um dos maiores engodos de nossa era. Essa defesa é a defesa da quebra absoluta de todos os estandartes que ostentam a hegemonia capitalista.