Por Tiago Cantalice
Natal é uma cidade conhecida por pouco valorizar seus artistas, o que foi novamente confirmado pelo silêncio incompreensível diante da morte de um de seus maiores compositores, Franklin Mario, aos 48 anos.
Franklin partiu há cerca de um mês – dia 30 de maio de 2018, deixando-nos, ao longo de mais de três décadas de música, centenas de composições, dezenas delas registradas por meio de inúmeras parcerias, como as com Geraldo Carvalho, William Guedes, Dina Guedes, Romildo Soares, Donizete Lima, Oreny Júnior, Mulambêra (Júnior Baiano), Babal, Roberto Homem, Mario Noya, Samir Almeida, Marcelo Randemark, Tarcísio Garcia, Nagério, Antoanete Madureira (sua companheira) e Antonio Ronaldo, com quem lançou uma semana antes de seu encantamento o disco Traçados (disponível em plataformas de streaming de música – Deezer, Spotify – e no Youtube). Como ele mesmo afirmou em entrevista concedida ao jornalista potiguar Roberto Homem, do blog Super Pauta, em 2014, funcionava melhor por meio de parcerias, por isso mesmo sempre as procurou e as cultivou.
Embora nascido e tendo vivido sua primeira infância no bairro das Rocas, foi na Cidade da Esperança, bairro popular criado na década de 1960 e que é um dos principais celeiros culturais da cidade solar, que Franklin iniciou e trilhou toda sua história na música. Nos meados de 1980, protagonizou com outros amigos do bairro uma inusitada cena rock, tendo sido um dos fundadores da banda Turistas em Cana e integrado a icônica Lixo Atômico, tocando em projetos como o Seis e Meia (Teatro Alberto Maranhão), Janela Aberta (Teatro Sandoval Wanderley) e Festival do Forte (Bosque dos Namorados) e espaços como a Ponta do Morcego e o bar Chernobyl.
Não havendo nunca abandonado sua relação com o rock, que pulsou incessantemente por meio de várias de suas composições e parcerias, Franklin ampliou suas possibilidades passando a compor músicas de distintos gêneros, de baladas que falam das múltiplas faces do amor (irônico, melancólico, rasgado, magoado…) a vertentes mais regionalizadas.
Foi exatamente a partir desse último que tomei contato com as letras e melodias de Franklin. Em meados de 2009, após concluir o mestrado em antropologia em Recife, retornei a Natal para dar aulas. Conheci Franklin Mario por aí, mais exatamente em uma locadora de vídeo do bairro [soou-me agora como se estivesse falando da era paleolítica]. Meu irmão, Felipe Cantalice, e Dina Guedes o acompanhavam, ele fez um comentário simpático sobre os filmes que estava levando e combinamos de nos encontrar no bar de Aurino, patrimônio cultural da Cidade da Esperança, lugar onde pulsa arte e amizade e em que as tardes de sábado se passam preguiçosa e deliciosamente ao som de músicas de nossa gente, sob a proteção e benção de um frondoso pau-brasil (por lá conhecido como o Pau de Biu).
Não lembro muito bem quando escutei pela primeira vez a música que, em minha opinião, melhor expressa a obra de Franklin Mario, mas recordo do impacto que Imperador do Mundo me causou. Não conseguia distinguir muito bem se era coco ou maracatu, mas fiquei maravilhado por sua simplicidade (ocorreu-me de pensar, por ser uma canção que conta uma história tão próxima a mim, como não tinha eu mesmo tido aquela ideia antes) e genialidade, pois falava dos sonhos que a maioria de nós experimentou na infância.
Meus encontros com Franklin sempre se deram nesse contexto de amigos, descontração, conversa solta, risadas fáceis e novidades, pois uma coisa que ele sempre trazia na manga eram composições novas para apresentar. Não era de fazer doce, gostava de compartilhar. Então, puxava seu companheiro pelo braço e tocava, ora suave, ora ferozmente o violão.
Engraçado que, apesar dele próprio afirmar que cantava e tocava apenas o suficiente para compor, sempre achei que aquele jeito simples e enxuto era a síntese ideal para as suas músicas. Sua interpretação, mescla de timidez e fúria, tinha uma singularidade que me encantava, assim como aos outros.
Entre nossas conversas sempre confabulávamos formas e fórmulas para tirar da Cidade da Esperança o rótulo que atrela o bairro à violência, para fazer com que o resto da capital pudesse ver a riqueza que aquele lugar possui, suas histórias, seus personagens, sua cultura.
Passado um mês de sua partida, a falta e a dor continuam muito fortes. Por meio desse breve texto, em forma de uma singela homenagem, espero estar dando o primeiro passo para realizar essa missão. Nada melhor do que começar falando de você, meu amigo, e de sua obra.
Aos que ainda não o ouviram, os caminhos para conhecer as músicas de Franklin Mario, felizmente, são variados. Além do disco Traçados, pode-se encontrar no Spotify outros dois: Ingênuo e Temporário, ambos de 2001. Outro caminho são artistas potiguares que interpretaram suas canções. No CD Balada da Cidade Mágica, Donizete Lima grava várias músicas de Franklin, entre as quais, além da faixa-título, estão Depois do Cansaço e Negro Amor. Em Um Toque a Mais, de Geraldo Carvalho, encontra-se Muito Mais (parceria com Geraldo) e Preso no Aquário, parceria com William Guedes, que, aliás, gravou em seu último álbum as canções Na Mudança da Estação e Cais, duas de suas dezenas de parcerias com Franklin Mario. Cais é também o título do álbum.
No disco Bossta Nova, de Esso Alencar, se encontra outra versão de Depois do Cansaço. No primeiro álbum de Andiara Freitas, Sambas da Minha Terra, está mais uma versão de Muito Mais. Várias das canções de Franklin foram também gravadas por Mario Noya e Junior Baiano.
Em 2016, Roberto Homem, compositor potiguar radicado em Brasília, lançou um álbum com dezoito faixas, todas elas parcerias suas com Franklin Mario. Recentemente, o disco de estreia de Antoanete Madureira também trouxe outras tantas de suas canções, das quais destaco Imperador do Mundo, A Cidade em Movimento e Doce.
Outra opção é o canal que Franklin possui no Youtube e que está sendo mantido em plena atividade:
https://www.youtube.com/user/franklineu/videos
Por fim, vale registrar que canções de Franklin fazem parte das trilhas sonoras de dois filmes do cineasta Paulo Dumaresq. Os filmes são o longa Passo da Pátria, Porto de Destinos, de 2016, onde Franklin assina a faixa título, parceria sua com Antonio Ronaldo, e a outra canção é Farrapos, tema do curta documental Catarro, lançado neste ano de 2018.
Parem, escutem e deleitem-se!!!
*Agradeço às contribuições fundamentais de Antoanete Madureira e Dina Guedes para a revisão desse texto.